Ainda que preliminares, os dados dos Censos 2021 são categóricos sobre o desequilíbrio que define o país, ferindo e ameaçando a coesão nacional.
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Diz o INE que, na última década, Portugal "acentua o padrão de litoralização e concentração da população junto da capital". E avança que "o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa são as únicas regiões que registam um crescimento da população".
O plano inclinado para o litoral não é novo. O que é novo - e merece reflexão consequente - é a "prova provada" da incapacidade das políticas públicas, definidas e geridas centralmente, de combater esta doença estrutural e, adicionalmente, o facto de a litoralização ser também assimétrica, apontando no sentido de uma concentração que a todos prejudica.
Desengane-se quem pensa que este é um mal do "interior". A "aspiração demográfica central" comporta-se como um vírus nas suas mutações: também cidades do litoral e metropolitanas padecem da crise demográfica e a sustentabilidade das "grandes cidades" continuará a deteriorar-se, gerando novas doenças e remédios centralistas.
Sobre este tema, como que providencialmente, foi lançado recentemente o livro "Economia do esquecimento", de Paulo Reis Mourão. Num registo informado e sapiencial, o autor descreve as causas e consequências do esquecimento das regiões e do abandono dos territórios em Portugal. Da centralização dos investimentos ao desconhecimento sobre as realidades regionais, das assimetrias da procura turística aos preconceitos sobre o "interior". Este é um processo que se autoalimenta: não se ama o que não se conhece, tal como não se obtêm resultados onde se não investe.
Portugal vive sob um sonambulismo centralista que se efetiva numa política do esquecimento. Esquecimento dos nossos recursos e ativos territoriais, de ordem económica e humana, ambiental e patrimonial, cultural e de conhecimento. É como um vírus silencioso e invisível que potencia outros vírus e os seus efeitos, como o demográfico e o económico.
Sá de Miranda, escreveu há mais de 400 anos: "não me temo de Castela / Donde inda guerra não soa, / Mas temo-me de Lisboa / Que, ao cheiro desta canela, / O Reino nos despovoa". Só quebrando este sonambulismo, por via da vacina da descentralização e de uma política de proximidade, podemos aspirar a um Portugal mais justo, mais coeso, com uma economia mais competitiva e, necessariamente, centros de decisão mais influentes no Mundo.
*Presidente da CCDR-N