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1. “Nem um soldado para a Ucrânia”, titulava um destes dias o “Público”. A frase ecoa noutra bem conhecida por quem viveu antes do 25 de Abril, “nem mais um soldado para as colónias”. Frases que proclamam a resistência à guerra e a afirmação do valor da paz. Porém, a equivalência não é total. A resposta portuguesa à luta de libertação nacional dos povos africanos foi manifestamente injusta. Hoje, a resposta militar da Ucrânia à invasão russa promovida por Putin é justa e legítima. No entanto, os mesmos que apoiam essa legitimidade, que celebram a resistência militar ucraniana como uma defesa não só do seu país como da liberdade em toda a Europa, não estão dispostos a pagar com soldados o preço que essa defesa exige.
2. Em vez disso, dispõem-se pagar pelo sacrifício dos ucranianos. Pagando as despesas do Estado ucraniano e, sobretudo, comprando e doando armas e munições necessárias à resistência contra Putin. Ao mesmo tempo, declaram apoiar uma estratégia sem concessões a Putin. Aliados europeus e americanos não se limitam a apoiar a Ucrânia, incentivam um jogo de tudo ou nada argumentando que todos estamos em risco neste conflito. Todos estamos em risco, mas o preço das vidas é deixado, em exclusividade, para os ucranianos.
3. Em rigor, nem o apoio material é total. Ora por dificuldades políticas internas, ora por egoísmo nacional, as entregas de armas atrasam-se, a produção de munições permanece insuficiente, os gastos com a defesa não sobem. É como se quiséssemos que a resposta militar dos ucranianos fosse incondicional, mas, ao mesmo tempo, não aceitássemos sacrificar algum do bem-estar das nossas populações para aumentar as despesas militares. E, muito menos, que os nossos filhos e netos voltem a morrer numa guerra longe de Portugal.
4. Estou do lado dos que resistem às lógicas da guerra, aos aumentos da despesa militar e, sobretudo, à condenação à morte que resulta, inevitavelmente, do envio de tropas para a guerra. Mas, ao mesmo tempo, sinto vergonha. Recuso a estratégia de, entusiasticamente, empurrarmos os ucranianos para sacrifícios que não estamos dispostos a partilhar. Se é assim, temos de mudar a nossa posição política perante a guerra e ponderar seriamente a colocação de muito mais esforço na procura de uma paz negociada.
5. É pena que na campanha eleitoral não sejam discutidos estes assuntos. Que os partidos digam ao que vêm. Vão aumentar as despesas militares para serem consequentes com o que proclamam sobre a Ucrânia? Ou vão passar a temperar a defesa da Ucrânia com a promoção de uma resolução negociada do conflito. Uma coisa ou outra.