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Não há um guião que nos ajude a lidar com a morte. Mario Vargas Llosa, um dos mais fulgurantes escritores latino-americanos, soube, porém, fazê-lo, durante cinco longos anos. Em 2020, foi-lhe diagnosticada uma doença terminal. O Nobel da Literatura, que nos deixou há dias, escreveu uma carta aos filhos Alvaro, Morgana e Gonzalo, explicando-lhes que padecia de uma maleita sem cura, que havia tratamentos que poderiam adiar a partida mas, acima de tudo, que a dura noção do efémero o fizera perceber que não havia razões para alimentar as desavenças familiares surgidas quando pôs fim ao casamento de 50 anos com Patricia Llosa, para iniciar uma relação com Isabel Preysler. Conta-nos o jornal “El País” que o autor peruano decidiu não tornar pública a notícia do seu destino, apesar da constante vigilância da imprensa cor-de-rosa, ávida de o fotografar ao lado da ex-companheira de Julio Iglesias, de quem Llosa viria a separar-se em 2022. Pelo caminho, foi falando do que o esperava sem dar conta do que sabia esperá-lo. “A vida é tão maravilhosa precisamente porque tem um fim”, admitiu. Durante esse tempo, manteve a agenda pública, as rotinas e a escrita compulsiva.
O exemplo de Llosa é muito mais do que uma reflexão romântica sobre a finitude. A tentação de tudo mostrar, em busca de compaixão, solidariedade ou conforto, faz com que nos esqueçamos de que o derradeiro poder que nos assiste é o de sabermos preservar os nossos segredos e angústias num casulo à prova de curiosos, moralistas ou cobardes. Nesse lugar estamos nós e quem verdadeiramente nos quer. É a força da vida no silêncio da morte.