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Em Portugal, os últimos tempos da vida política estão conturbados. No exercício dos cargos políticos estamos num constante tiro ao alvo no sentido de todos os dias se inventar um caso e com isso se conseguir mais uma demissão.
Certo é que a nossa classe política está a atravessar uma crise de valores já que os melhores não estão disponíveis para terem a sua vida devassada e a ser utilizada como arma de arremesso por um qualquer grupo de interesses. Este desgaste constante que envolve governantes, autarcas ou deputados apresenta-se como um corolário lógico de que só podem ir para a política as pessoas biologicamente puras.
Ora isso não é verdade e as recentes eleições nos Estados Unidos vieram demonstrar o contrário quando Donald Trump conseguiu ser reeleito.
Todos temos de saber fazer opções claras e concretas. Claro está que quando vamos para a vida política deveremos ter a nossa ficha limpa ou pelo menos não polémica.
Vamos vendo, aqui ou ali que, até nos partidos moralistas do sistema, existem falhas ainda mais graves do que nos velhos partidos. Por causa disso estão constantemente a atirar lama uns aos outros com o impacto que isso provoca.
Discutir uma moção de censura só porque o primeiro-ministro não faz a vontade ao líder de um partido, que a única coisa que pretende é desviar as atenções, já de si é uma ideia complexa ou mesmo bizarra. Certo é que quem está na cozinha tem de estar preparado para o fogo que pode sair do fogão.
O estado da arte, contudo, fica mais em crise porque estamos a dizer que vale tudo, mesmo tudo, até mentir, para se fazer política.
A sociedade e a gestão da vida da comunidade implicam que muitos dos que a servem estejam disponíveis para o exercício de cargos políticos. Sabemos que os salários não são atraentes, mas a honraria da função pode justificar essa disponibilidade. Agora o que não podemos é ficar só com políticos criados em “ambiente de aviário”, vindos diretamente das “jotas” para os gabinetes e destas para o Parlamento ou para o Governo. Pelo meio procuram ter ainda um emprego que lhes salvaguarde o futuro usando o Estado e as suas participadas como retaguarda. Isso é um sinal errado que se está a dar ao eleitor.
A atual crise da democracia representativa reside muito neste paradigma. Temos de ter a coragem de ser inteligentes e dessa forma introduzir reformas no sistema político que aproximem os valores dos comportamentos.
Gaetano Mosca, Pareto e Michels são os pais fundadores de uma abordagem à ideia de que existe uma classe política. Esta ideia de domínio das elites, que formam a tal classe política, evidencia o alimento dos partidos populistas e uma dicotomia que separa governantes de governados.
Aos poucos vamos vendo um aumento preocupante das autocracias e um certo recuo das democracias liberais, até os sempre paladinos dos princípios democráticos, os Estados Unidos, estão a viver uma profunda crise nas suas instituições e no seu sistema de pesos e contrapesos.
Podemos encontrar naquela frase de Sá Carneiro o elogio da sabedoria a esta nossa preocupação quando nos dizia “a política sem ética é uma vergonha e sem risco é uma chatice”.