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A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra homenageou um dos seus mais prestigiados professores - o doutor José Francisco de Faria Costa. Queria, desde já, pedir desculpa aos leitores, mas tenho de fazer uma declaração de interesse. Sou colega e seu colaborador, tive oportunidade de, com ele, enquanto aluno, aprender o sentido do direito e do exercício da cidadania.
Neste tempo tão desgastante, para quem quer servir a causa pública em qualquer patamar funcional, encontrar cidadãos com uma dimensão republicana do exercício do poder, a que se alia uma preocupação ética e uma expressão cultural, não é desiderato muito fácil cumprir.
Sabemos bem que muitas pessoas acabam por imprimir ao exercício de cidadania que é ser eleito ou escolhido para determinados lugares uma dinâmica que acaba por misturar interesses e opções que se afastam da raiz originária da função.
A função de serviço público não pode ser entregue à rua, naquilo que esta representa de um sentimento de imediatismo, de populismo e de demagogia. Antes deve ser exercida com responsabilidade e vontade de serviço à comunidade.
Desde Sócrates a Kant, de Locke a Hegel, de Tocqueville a Marx, muitos escreveram alertando para o sentimento de respeito pelos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos. Para isso, Montesquieu falou do princípio da separação de poderes como a afirmação dos princípios democráticos e do respeito entre toda a comunidade. Ninguém está acima da lei, mesmo aqueles que são os vigilantes da sua execução. A democracia assenta num princípio básico de confiança. Faltando essa confiança, fica ausente a autorregulação que vai evitar o julgamento precipitado dos acontecimentos.
A este propósito, gostaria de evocar o perfil do cidadão responsável e atento como é o prof. Faria Costa. Tem ensinado dezenas de gerações, de agentes da justiça, de advogados e de magistrados no estudo do direito penal, no aprofundamento do direito penal económico e na filosofia do direito. Exerceu funções superiores como Provedor de Justiça, por inerência foi conselheiro de Estado e desenvolve enquanto Francisco d’Eulália, como pseudónimo, uma expressiva liberdade criativa na poesia.
O seu discurso de agradecimento assentou numa temática que nos preocupa porque, como escreve, “o ar ou o vento dos tempos de hoje emprestam a tudo um toque de efémero”.
Neste tempo de vésperas, gosta de nos alertar para o facto de que “ninguém consegue pensar fora do horizonte do tempo breve que é, como todos sabemos, o tempo plano, chão, sem picos ou reentrâncias. O tempo do ‘agora’. Pobre tempo”.
O exercício da cidadania precisa deste tipo de exemplos. Assumir a consciência de que é preciso não desistir de pensar no tempo das próximas gerações. Obrigado, professor!