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O Chega, mais uma vez, decidiu brincar, ou melhor, vandalizar, como diria Aguiar-Branco, a seriedade da política. Levando a demagogia o mais longe possível, André Ventura decidiu transformar as janelas do Parlamento numa exposição de arte foleira e de muito mau gosto. Esqueceu que a classe política e os seus equiparados eram os únicos portugueses que ainda viviam sob o impacto dos cortes da troika. Os 5% de redução do salário de qualquer responsável político continuaram mesmo quando tinha sido reposta para o mais simples cidadão ou para outros membros de um órgão de soberania como são os tribunais.
O Chega prestou, assim, um mau serviço à democracia e só veio consagrar a ideia de que vale mesmo tudo para arrastar para a lama a classe política e as suas instituições.
Todos sabemos que as questões relacionadas com os cortes dos salários dos políticos são recorrentes no debate, iniciadas no final do cavaquismo, em 1995, com a aliança espúria entre Fernando Nogueira e Manuel Monteiro, prosseguiram com José Sócrates, com o fim de algumas mordomias, como as famosas pensões vitalícias, curiosamente o que hoje lhe vai garantindo a sua sobrevivência económica.
Se compararmos a responsabilidade da função e a correspondente remuneração, compreendemos como, por vezes, a corrupção pode continuar a desenvolver-se de uma forma endémica dentro do nosso sistema político. Lembro que qualquer cidadão, por exemplo, tem direito a um subsídio de desemprego ao contrário dos políticos que perderam, numa das consecutivas reformas, o direito a um subsídio de reintegração que era equilibrado, significava um mês de salário por cada seis meses de exercício das funções, e evitava tentações de assegurar a sua “vidinha” no fim do respetivo ciclo político.
A opinião pública compreendeu o exagero da atitude do Chega, que continua a introduzir ruído e medo na nossa sociedade, e condiciona a agenda do PSD contribuindo ainda para o aumentar do radicalismo no PS.
Num mês em que vamos celebrar os 100 anos do nascimento de Mário Soares, parece avisado compreender que certos fenómenos de demagogia só se combatem com coragem política.
Cinquenta anos depois do 25 de Abril é tempo de dizer aos netos dos protagonistas do Estado Novo e do PREC que a tolerância, a moderação e o bom senso são valores pelos quais vale a pena continuar a combater a demagogia que tem assentado no consecutivo aumento das pensões e na manipulação dos mais velhos, como eleitores, os quais enquanto ativos na sociedade sempre souberam lutar pela liberdade e pelo afirmar de uma verdadeira democracia europeia.