Corpo do artigo
Conheceram-se, agora, os resultados da última edição do European Social Survey (2022). Um inquérito que, desde 2002, se realiza em mais de 30 países para recolher informação sobre atitudes e perceções públicas dos cidadãos acerca de diferentes domínios da vida social, política e económica. Os dados permitem uma análise, em termos comparativos, da evolução dessas atitudes e perceções nos últimos 20 anos. As instituições científicas envolvidas neste grande projeto europeu e as metodologias utilizadas têm permitido obter informação sólida e rigorosa, que fica disponível para a produção de mais conhecimento sobre a Europa e as mudanças em curso no continente, mas também para informar decisões políticas mais fundamentadas.
Este conhecimento é importante desde logo para desfazer alguns mitos. Por exemplo, está difundida a ideia de que, na Europa, aumentaram as reações negativas à imigração devido ao crescimento da imigração. Ora, os dados do European Social Survey mostram que, nos últimos 20 anos, na média dos países envolvidos no estudo, é hoje maior a abertura à entrada de imigrantes e diminuiu a percentagem de cidadãos que olham a imigração como uma ameaça económica ou cultural. O inquérito permite também concluir que a intensidade de atitudes mais cosmopolitas aumenta com o nível de desenvolvimento humano dos países. Há, porém, algumas exceções: Portugal e Espanha têm atitudes muito mais favoráveis à imigração do que seria de esperar tendo em conta o seu nível de desenvolvimento. Em sentido contrário, Hungria e República Checa têm atitudes mais desfavoráveis do que seria expectável.
O que suscita a dúvida, legítima, se o que está na origem da ascensão da xenofobia e da extrema-direita na Europa é a imigração ou se, pelo contrário, é o crescimento da extrema-direita que favorece o desenvolvimento de atitudes tendencialmente xenófobas sobre a imigração. Até porque há muito que se sabe não haver qualquer relação geral entre o número de imigrantes num país, a rejeição da imigração e o crescimento da extrema-direita: veja-se o caso da Hungria, um país de muito baixa imigração, forte reação negativa à mesma e há muito governado pela extrema-direita.
Este projeto, apesar da sua importância e qualidade, várias vezes avaliada e confirmada, está hoje em risco devido às falhas da política de financiamento das infraestruturas científicas de conhecimento e informação. É pena. O European Social Survey é mesmo um daqueles instrumentos que permitem tomar decisões com base em conhecimento e não em crenças, mitos ou ideias feitas.