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As bolsas de resistência política à imigração começaram nos países onde os movimentos extremistas eram mais vocais, mas rapidamente o discurso securitário, tendente ao fecho de fronteiras e ao controlo da legalização de cidadãos, ganhou tração noutras latitudes. Portugal incluído. Também aqui, a dicotomia esquerda-direita se foi esbatendo e hoje não é invulgar encontrarmos socialistas e sociais-democratas um pouco por toda a Europa que defendem o reforço de medidas restritivas no acolhimento e na legalização desses imigrantes. Em certo sentido, a Europa humanista, de braços abertos para o outro, já não existe enquanto projeto civilizacional comum. Hoje, os esforços estão alinhados com as máquinas de guerra.
O ano passado deixou-nos uma mancha negra: foi o pior de sempre em número de mortes de migrantes. Quase nove mil pessoas morreram enquanto tentavam “dar o salto” para outra existência. Dessas, 2500 perderam a vida no Mediterrâneo, a caminho da Europa. De resto, nos últimos cinco anos tem sido sempre a piorar. E se recuarmos uma década, chegamos ao impressionante valor de 24 506 pessoas desaparecidas ou mortas a caminho do Velho Continente.
Estes são os mortos que ninguém que enterrar, mas são, sobretudo, os mortos que ninguém chora. A retirada de apoio norte-americano à Organização Internacional para as Migrações obrigará a suspender programas que salvam vidas. A lógica de sobrevivência e isolacionismo que parece toldar o pensamento estratégico atual fará o resto. Em resultado, os muros, em terra e no mar, vão crescer, agigantando as tragédias feitas de oportunistas e desgraçados.