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Bom domingo a todos, especialmente aos que estão a trabalhar hoje até à meia-noite. Se a Iniciativa Legislativa de Cidadãos que propõe fechar determinados espaços comerciais ao domingo for aprovada pelos deputados, pode ser que em breve possam estar a ler isto repimpados no vosso sofá depois de uma pratada de cozido à portuguesa.
Foram mais de 26 mil assinaturas reunidas por elementos do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, que vão agora colocar em cima da mesa da Assembleia algumas mudanças no horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, tais como encerrarem às 22 horas e ao domingo o dia todo. Se eu fosse o presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, exigiria aos deputados que tivessem de fazer horas extraordinárias e trabalhar ao fim de semana para ajudar a decidir em consciência. Isto não é totalmente estranho: pode parecer que foi há muito tempo, mas em 2010 os hipermercados e centros comerciais fechavam à uma da tarde de domingo. E eu tenho boas memórias desse tempo. Íamos ao cinema ver o primeiro "Avatar", o Obama era presidente dos EUA e eu ainda podia jantar gelado sem que tivesse nojo de mim própria.
Além de dar a estes trabalhadores a oportunidade de terem mais tempo de qualidade e criarem mais momentos em família, também ajuda à sobrevivência do comércio tradicional, que tem grandes dificuldades em competir neste mercado. E a verdade é que o setor do comércio é tradicionalmente feminino e são as mães trabalhadoras que têm mais dificuldade em encontrar uma solução para deixar as suas crianças em dias como feriados e fins de semana. É que Deus Nosso Senhor descansou ao sétimo dia, mas a Sandra da caixa 3 não pode. OK. Deus fez o Mundo e todas as coisas, sim senhor, mas antes de ir dormir não teve de apanhar três transportes para ainda apanhar o filho na ama. Pois. E se Ele que é todo-poderoso teve de descansar ao domingo, imaginem a Sandra. E não há relatos de que Deus tenha aproveitado o domingo para dar um jeito à casa e fazer três máquinas de cor, porque o tempo está bom para secar.
Os estudos indicam que os trabalhadores de horário noturno e trabalhadores por turnos correm mais risco de doenças cardiovasculares, problemas de saúde mental e problemas reprodutivos. Este último é bastante óbvio. Para uma pessoa que chega a casa há uma e meia da manhã porque não tem transportes e depois de andar a dobrar t-shirts e responder 834 774 vezes "não, não temos em armazém; o que temos está exposto" é bastante compreensível que a última coisa que lhe apeteça seja ver roupa espalhada porque esteve a fazer amor.
No entanto, isto vai ser uma grande facada na indústria dos fatos de treino que se usam para passear nos centros comerciais ao domingo. É possível que os fatos de treino voltem a ser usados mesmo para treinar. Se isto for para a frente, estraga os planos de muitas famílias, que vão ter agora de ir a outros locais e procurar outros passatempos, como passear à beira-mar, aproveitar as entradas gratuitas em museus ou fazer piqueniques.
Idealmente, os trabalhadores não devem sair prejudicados com estas alterações, dado que, regra geral, quem trabalha em empresas que não tenham obrigatoriedade de encerrar ao domingo não tem direito legal a uma compensação por trabalhar ao fim de semana. E não tem de ser uma decisão ideológica, na medida em que muitos países europeus que não são de esquerda têm estes espaços fechados ou com horário reduzido ao domingo.
Acho que o culpado por isto não ser um assunto fácil de resolver é a existência do João Baião. Trabalha todos os dias da semana de manhã e ainda no "Domingão", vestido de peru e com um sorriso na cara. É uma fasquia elevadíssima.