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1. As ordens são associações profissionais que se distinguem pelo facto de receberem do Estado poderes de autorregulação, para proteger os beneficiários, garantindo a qualidade dos serviços que prestam e as consequências de eventuais erros. São poderes que lhes permitem definir condições de acesso à profissão, como a obrigatoriedade de inscrição e o pagamento de quotas, ou de realização de estágios e de formação complementar por candidatos já diplomados por instituições de Ensino Superior.
2. Foram criadas várias ordens profissionais sem qualquer justificação do ponto de vista do interesse público ou da proteção dos beneficiários. A maioria delas servem sobretudo a proteção corporativa dos profissionais, através do fechamento de segmentos do mercado de trabalho e o estabelecimento de monopólios para diplomados de determinadas áreas, com a exclusão de muitos outros com competências e formação igualmente adequadas.
3. Em algumas ordens que se justificam, regista-se, por um lado, um abuso no uso dos poderes de autorregulação, por exemplo, na justificação, duração e custos dos estágios e da formação complementar, ou na fixação do valor das quotas. São abusos que deixam de fora milhares de diplomados do Ensino Superior com condições para exercer atividade profissional. Por outro lado, na prática, essas ordens usam um poder de facto para determinar o que deve ou não ser ensinado nos cursos de Ensino Superior e quantos estudantes podem ou não aceder a esses cursos. Na minha opinião, neste domínio, em regra, a influência das ordens é negativa, obstaculizando processos de inovação pedagógica e científica, bem como a pluridisciplinaridade e flexibilidade dos percursos formativos.
4. Em março, a Assembleia da República aprovou um novo regime de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e, agora, em junho, a consequente alteração dos estatutos e outros quadros regulamentares de 12 das ordens existentes. Os meios de comunicação têm feito eco de protestos dos dirigentes de algumas destas ordens contra o que designam por ingerência do Governo e governamentalização das ordens. Ora, o Estado delega poderes nas ordens. Tem toda a legitimidade para promover alterações, limitando ou alargando os poderes que delega. Legitimidade reforçada se o fizer com o objetivo seja de proteger os profissionais e beneficiários dos serviços prestados, seja para limitar abusos e excessos no exercício dos poderes que delegou, seja para remover obstáculos injustificáveis ao exercício profissional.
*Professora universitária