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Volta e meia, o assunto vem para cima da mesa. Dizem-se umas coisas, proclamam-se outras, prometem-se ainda outras, mas, no final do dia, fica mais ou menos tudo na mesma.
O recente e muito badalado Relatório Draghi aborda o tema procurando despertar a atenção, em particular dos que têm responsabilidades no desenho e na implementação de políticas públicas, para o que também já foi chamado paradoxo europeu: temos, à escala global, um desempenho liderante na investigação e na produção de ciência, mas fraquejamos e deixamo-nos ultrapassar na transformação desse conhecimento em valor, nomeadamente pelos EUA e pela China.
Esta realidade é, infelizmente, também observada no abrangente e pujante setor das ciências da vida e da saúde. Desgraçadamente, é mais vincada no nosso país e por isso é neste contexto que o tema me desperta mais interesse e onde julgo que merece alguma reflexão.
E assim, no que ao nosso desempenho coletivo no ciclo da inovação diz respeito, tenho para mim que um dos obstáculos ou contrapesos que permanentemente temos de estar a superar e a compensar, com o consequente e inglório consumo de energia que deste modo é desviada do objetivo central - gerar produtos e serviços de elevada qualidade, competitivos no mercado global -, é uma cultura antiempresa vigente que nos tolhe e condiciona há muitos anos.
Aparentemente, esta dinâmica negativa estaria a perder força e mesmo a ser combatida por uma dinâmica de sentido inverso materializada no apoio generalizado ao designado empreendedorismo. Temo, no entanto, que essa onda seja essencialmente espuma e em larga extensão folclore para sensibilizar eleitor, uma vez que não surge clara e evidente a visão estratégica e desenvolvimentista que lhe está por detrás. Mais, a orientação aos resultados e à sua medição não está, por regra, presente.
Já noutro patamar, de forma profundamente endogeneizada e oleada por aquele sentimento muito nosso, ainda que nunca assumido e sobre o qual é de bom tom exprimir repulsa, a inveja, continua omnipresente a glorificação do que é público e a demonização da iniciativa privada. O ser empresário é mais cadastro do que currículo e por isso, na primeira impressão e na dúvida, é de desconfiar. Quem sabe, após uma vida e provas dadas, possa ser tolerado. Glorificado ou admirado: nunca!
Este episódio que envolve o primeiro-ministro e uma empresa por ele criada, que tem estado no topo da ordem do dia, ilustra muito bem esta nossa realidade enquanto demonstração da confrangedora iliteracia da maioria dos comentadores e líderes de opinião da nossa praça em tudo o que se refere ao mundo dos negócios, termo e conceito que olham sempre como sinónimo de delito, ignorando que é a atividade económica que lhes dá o pão.
Com todos os riscos que as generalizações comportam, não tenho qualquer dúvida em preferir um empreendedor malsucedido a uma mente de funcionário público - perdoe-me os, felizmente muitos, funcionários públicos que não se encaixam neste estereótipo e por quem tenho grande admiração - que nunca vivenciou na primeira pessoa a angústia de ter de pagar vencimentos no final do mês e no dia 20 ainda não saber como.
Tenho fundada esperança nas novas gerações, as que já estão no ativo e as que ainda estão a ser preparadas para mudar isto. Sim, porque ou mudamos, e radicalmente, ou a coisa não vai correr bem.