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Escrevo hoje sobre o caso da Telegram e de Pavel Durov que, no final de agosto, entrou nas nossas casas intempestivamente. Em causa está a detenção do presidente de uma grande tecnológica suspeito de incumprimento da legislação europeia regulatória que obriga este tipo de empresas a ter mecanismos de controlo e remoção de conteúdos criminosos, como terrorismo, tráfico de pessoas ou pornografia infantil. É sempre complicado falar sobre casos de justiça que não conhecemos. Ainda mais complicado quando o que conhecemos, através dos meios de Comunicação Social, revela uma complexidade impossível de apreender em todas as dimensões e em que as dúvidas superam largamente as certezas ou convicções que possamos ter. Como pergunta João Pedro Pereira, no “Público”: é Pavel um paladino da liberdade de expressão ou um facilitador de atividades criminosas?
O debate público já está dividido em campos extremados. A imprensa internacional dá conta das dificuldades da investigação criminal, ampliadas por eventuais interesses e motivações políticas envolvidas no caso.
De tudo o que li, retive um pormenor a que os meios de comunicação deram pouca atenção. Ao aparato da detenção de Pavel e às notícias sobre a gravidade do caso, seguiu-se a sua libertação, 72 horas depois. Apesar da gravidade das suspeitas que impendem sobre o presidente da Telegram, este foi libertado porque não foi possível deduzir a acusação. A justiça francesa, depois da detenção, dispunha de 96 horas, ou seja, de quatro dias, para acusar. Não tendo condições para acusar fica obrigada a libertar. Não podem manter-se pessoas detidas ou em prisão preventiva para investigar, não podem prender-se pessoas sem antes deduzir acusação e criar condições para que sejam julgadas. E isto independentemente da gravidade do crime e do estatuto do suspeito. Por isso Pavel foi indiciado da prática de crimes e impedido de sair do território francês enquanto as investigações prosseguem, mas não foi mantido preso para ser investigado.
Esta é uma diferença fundamental em relação ao que se passa em Portugal. Também no nosso sistema, a Constituição, nos artigos 27.º e 28.º, e o Código do Processo Penal, no artigo 283.o, estabelecem prazos para que um cidadão possa ser privado da sua liberdade: 48 horas para os detidos serem presentes ao juiz e 10 dias para ser deduzida a acusação. Porém, como verificamos, sobretudo nos casos mediatizados, tais prazos não são respeitados. A detenção e a prisão preventiva são usadas, vezes demais, para investigar, ou para punir antecipadamente, como nos regimes inquisitoriais.