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Julgo que já ninguém terá dúvidas de que são necessárias (r)evoluções radicais na forma como concebemos e gerimos os sistemas de saúde se quisermos manter o nível de prestação de cuidados e de assistência a que hoje temos acesso.
Com efeito, de uma forma geral e numa visão de grande angular que passe por cima do pormenor e da circunstância, a quantidade e a qualidade dos serviços de saúde que estão à nossa disposição nunca foi tão abundante e qualificada, mas, ao mesmo tempo e merecendo toda a preocupação, nunca a sua sustentabilidade e consequente garantia de manutenção esteve tão em risco.
Esta realidade observa-se no contexto nacional e, com alguns ajustes e matizes, a nível global, ainda que, infelizmente, só considerando nesta globalidade os países e as regiões com sistemas de saúde minimamente estruturados.
Na lista das (r)evoluções radicais a que temos de deitar mão, emergem claramente a utilização, inteligente e massiva, das novas tecnologias e o reforço da postura, das práticas e das abordagens de prevenção da doença, o que passa por mudanças profundas em alguns dos paradigmas vigentes. Passa ainda por repensar e substituir a cultura “hospitalocêntrica”, orientada ao tratamento, profunda e naturalmente instalada. Poderíamos até chamar Prevenção 2.0 à combinação destas duas apostas.
São hoje abundantes, e estão em crescimento exponencial, o conhecimento e as soluções que podem dar o adequado suporte a um passo, que seria de gigante, para a generalização de uma Prevenção 2.0. Vejam-se os muitos projetos-piloto que têm vindo a ser realizados por todo o Mundo, com particular bom desempenho no nosso país, cujos resultados permitem concluir pelas vantagens que lhes estão associadas.
No entanto, e no que configura o grande desafio, a sua introdução no mercado e na cadeia de valor não tem sido fácil, sendo ainda, em larga medida, residual. Entre outros, identificam-se como obstáculos a combinação entre os modelos de financiamento e os processos associados à regulação e regulamentação, na sua generalidade pensados essencialmente para as terapias com base no medicamento.
Como sempre acontece quando estamos perante sistemas de grande complexidade e de grande dimensão, e o sistema nacional de saúde é, certamente, um bom exemplo disso, as mudanças são muito difíceis, geram muitas e múltiplas resistências e, geralmente, necessitam de tempo. Tempo para a sua implementação e, sobretudo, tempo para começarem a surgir os resultados.
Ora o tempo é também um dos muitos recursos escassos que integram esta equação: não o temos ou temos muito pouco. Por isso, vamos ter de encontrar formas de o inventar e de o esticar, procurando planear cuidadosamente, envolver desde o princípio os atores e decisores-chave – esquecer ou minimizar este passo costuma gerar consequências muito negativas – e sobrepor algumas etapas.
Nesse sentido, importaria reunir as condições para se escalar dos projetos e das iniciativas piloto para ações de grande escala, cujos resultados fizessem mexer os ponteiros e posicionar a prevenção num patamar de maioridade. Estou a pensar, no mínimo, na implementação desta abordagem numa ULS (unidade local de saúde). A ambição é grande, mas é perfeitamente possível, basta que os atores chave o queiram. Os cidadãos, os doentes, o Serviço e o Sistema Nacional de Saúde, e o ecossistema nacional de inovação em saúde, teriam muito a ganhar.