Reforma da Justiça e defesa do Estado de direito
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Há três razões para ter assinado o manifesto dos 50, um texto subscrito por 50 pessoas que apelam a uma reforma da Justiça em defesa do Estado de direito democrático.
Assinei-o, em primeiro lugar, porque os cidadãos têm o direito de exigir um funcionamento mais eficaz e eficiente do sistema de Justiça. A Justiça é um bem público e coletivo demasiado importante para que não sejamos exigentes com a qualidade, o profissionalismo e a legalidade do seu funcionamento. Não se podem fazer generalizações. Há bons profissionais entre juízes e procuradores que fazem funcionar a Justiça, mas são muitos os sinais de preocupação: a morosidade de processos de investigação e de decisão dos tribunais, mantendo a vida das pessoas em suspenso; erros judiciais nunca reconhecidos; precipitações na divulgação de inquéritos pouco amadurecidos; uso de meios de investigação desproporcionados e de legalidade duvidosa; quebras sistemáticas do segredo de Justiça com condenações na praça pública sem julgamento; ineficácia no combate à corrupção ou à violência doméstica. Não toleramos filas de espera nos hospitais ou nos centros de saúde, não pactuamos com erros de profissionais nos diferentes setores de atividade, não aceitamos níveis elevados de insucesso escolar. Por que razão seríamos condescendentes com o mau funcionamento da Justiça?
Esta pergunta leva-me à segunda razão. Estou convencida de que somos condescendentes com o mau funcionamento da Justiça porque vivemos num clima de medo e de intimidação, como escrevi já neste jornal. Vivemos num país em que, à partida, todos corremos o risco de ser suspeitos em vez de inocentes. Qualquer delação anónima serve para abrir inquéritos. Subscrevo o manifesto, quando se celebram os 50 anos de democracia, em defesa do direito a viver sem medo de denúncias e retaliações.
Finalmente, assino o manifesto porque quero dar um contributo para a melhoria do funcionamento da Justiça no meu país. As tentativas de debate e de reflexão sobre a Justiça, que têm um marco importante, em 2000, com a publicação do livro organizado por António Barreto intitulado “Crise na Justiça?”, são sistematicamente encaradas como ataques à independência dos tribunais e à autonomia do Ministério Público, desencadeando reações corporativas de fechamento. O Manifesto apresenta propostas concretas que não são ingerências no poder judicial, respeitam os princípios da separação de poderes. São exigências simples de rigor, transparência e responsabilização, de cumprimento da lei e das regras do Estado de direito democrático.