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Recentemente, o Público recuperou um trabalho de João Ferrão sobre desenvolvimento territorial do continente (1991 a 2001), atualizando-o para a última década. No país sonolento do início do século, coexistiam freguesias em regressão demográfica com bolsas de resistência no interior agrícola e rural do Norte e Centro. Duas décadas depois, pouco ou nada sobrou dessa resistência, excetuando alguma ruralidade à sombra do urbano, e alastrou a mancha regressiva da perda de população e de atratividade. A evolução da ruralidade não se explica por si e muito menos explica a evolução de um urbano determinado por redes funcionais de escala variada. Nesta representação do território, vemos pontos e segmentos de reta que os unem, mas não vemos chão (ou chamamo-lo de paisagem ou natureza), porque o desligamos da forma de gerar economia e dinamismo rural - a agricultura.
Esse chão mudou muito e muito depressa desde a adesão de Portugal à então CEE. O decréscimo acentuado dos preços dos produtos agrícolas (40% em menos de uma década) levou ao acelerado ajustamento tecnológico e estrutural da agricultura. No Norte, setores bem delimitados registaram processos de intensificação e especialização, como o leite, a vitivinicultura, a fruticultura e a olivicultura. Mas, em geral, verificou-se um processo de extensificação com consequente êxodo rural. Entre 1989 e 2019, a Superfície Agrícola Utilizada reduziu-se em 15%, e a população residente em áreas predominantemente rurais (INE) reduziu-se 49,5%. Esse êxodo foi mitigado pelo efeito de políticas públicas, mas o atual contexto demográfico limita o seu impacto futuro.
Por isso, é necessário religar o desenvolvimento dos centros urbanos com o da sua envolvente agrícola e rural, sob pena do acentuar da dissonância entre as geografias administrativa e funcional, com um modelo de organização territorial do Estado que não corresponde e não responde à organização espacial das famílias e da economia.
Religar pressupõe uma maior centralidade à agricultura, essencial para diversificar economias locais e assegurar a sua resiliência, face a custos crescentes e insustentáveis de gestão do território, que os incêndios revelam de forma aguda. As suas boas práticas também são fundamentais para a produção de bens públicos agroambientais e externalidades positivas ou a minimização de negativas, como a preservação da biodiversidade e da paisagem tradicional, o combate à erosão hídrica e eólica dos solos, a gestão dos ciclos da água, a redução do assoreamento dos cursos hídricos, o incremento do sequestro de carbono ou a prevenção de riscos abióticos, como os incêndios.
Temos uma oportunidade de começar de novo. É necessário articular, no espaço e no tempo, o investimento cofinanciado pelo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum com o garantido pelos Programas Regionais do Portugal 2030, como o Norte 2030. Acreditamos que a integração das direções regionais de Agricultura e Pescas nas CCDR será um elemento a potenciar esta necessária mudança.