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Nos últimos dias, a propósito de várias demissões de membros do Governo, um dos quais só demorou, no exercício do cargo, vinte e quatro horas, enquanto se votava, no Parlamento, uma moção de censura ao Governo. Esta última situação acabou por trazer para o debate político uma proposta do primeiro-ministro, feita por escrito, ao presidente da República de juntos criarem um processo de avaliação prévio dos candidatos a governantes. Adivinhava-se a resposta do presidente de que a responsabilidade da constituição do Governo compete unicamente ao primeiro-ministro.
Contudo, se existir uma verdadeira preocupação de avaliar o perfil do candidato a governante, não precisamos de procurar ou criar mecanismos muito inovadores para o efeito.
Lembro, por exemplo, a propósito da indicação para determinados cargos, nos órgãos sociais de certas empresas ou instituições, os candidatos são obrigados a preencher, sob compromisso de honra, junto dos reguladores, extensos questionários que abordam de uma forma direta perguntas sobre a existência ou não de problemas judiciais. Aliás, modelo idêntico, antes da audição junto do Parlamento Europeu, é feito na escolha dos comissários europeus.
Seria fácil ao primeiro-ministro obter dos candidatos idênticos compromissos, os quais sendo objeto de qualquer incidente obrigatoriamente implicavam a demissão do membro do Governo ou, na fase de candidato, o seu afastamento.
A instituição para o controlo deste escrutínio deveria ser feita através da Entidade para a Transparência, a qual tarda a ser instituída por motivos que a opinião pública não consegue descortinar. Além desse compromisso de honra, os candidatos a governantes deveriam subscrever um Código de Ética que preveja, também, as situações de incompatibilidades e de conflitos de interesse. Estes mecanismos de prevenção poderiam ajudar a introduzir novas ferramentas de escrutínio e afastar qualquer tipo de caça ao político. Permitia-se que muitos cidadãos aceitem participar ao mais alto nível da governação ou no exercício de cargos públicos.
Dessa forma, continua-se a assegurar a relação institucional do modelo político português assente num semipresidencialismo de incidência parlamentar.
Este novo modelo de vetting político fica justificado após, em nove meses, ter-se assistido a treze demissões e cinco remodelações. Compete ao Governo, em conjunto com o Parlamento, iniciar este novo procedimento no sentido de salvaguardar a reputação das instituições e de todos aqueles que servem a causa pública.
A outro propósito lembrava o padre António Vieira: "as nossas ações são os nossos dias: por eles se contam os anos, por eles se mede a vida: enquanto obramos racionalmente, vivemos; o demais tempo duramos".
*Professor universitário de Ciência Política