A escolha de um conjunto de valores em nome de outros não costuma dar bom resultado. Basta olhar para a História e verificar como tantas vezes a justiça social foi invocada para justificar desígnios que acabaram em arbitrariedades várias.
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Aplica-se o mesmo à política. Veja-se o caso de Rui Rio: a bandeira da ética que sempre ergueu bem alto rasgou-se, quando a mercearia autárquica o empurrou para escolhas de alcance duvidoso e nada consentâneas com o discurso que lhe serviu de chão nos anos que leva na política ativa.
A escolha da histriónica e espampanante candidata à Câmara da Amadora é, porventura, o caso mais mediático. Mas há outros, onde o confronto com os valores é igualmente sério e profundo.
Tomemos o exemplo de Viseu. A trágica morte de Almeida Henriques, vítima do maldito vírus, criou um problema que requer análise cuidada. Com indiscutível mérito, o falecido presidente oxigenou a cidade e o concelho, resgatando-os de um daninho torpor que se lhe agarrara há décadas. Viseu é hoje um polo cultural vivo, uma cidade fresca, criativa, inovadora, aberta à região, com alma.
A menos que tudo isto seja de somenos para quem venha a decidir o sucessor de Almeida Henriques (o que seria, no mínimo, uma estupidez), resta saber se Rio terá justamente em conta a avaliação valorativa do legado, ou se permitirá que sejam as sondagens a determinar o resultado da escolha. Temo que, dado o aperto em que se encontra, Rio opte pela segunda via. O que significará que voltará a esconder atrás das costas a bandeira da ética e dos princípios.
Há quem, como Fernando Ruas, aguarde com cínica tranquilidade a decisão. Convém talvez recordar pequenos factos, para pesar o cinismo. Um dia antes da morte de Almeida Henriques, Ruas dizia ao "Público" (edição de 5 de abril) ser "um homem do poder local". Há dias, numa entrevista à Rádio Jornal do Centro, regressou ao tema. Convenhamos: é preciso ter estômago para fazer uma coisa destas.
Rio tem, portanto, em Viseu a hipótese de mostrar que o discurso dos princípios não é só fachada. Que, numa palavra, não está disposto a hipotecar a alma para salvar a cara. E que não pactua com cínicos.
Jornalista