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As coisas na saúde não estão a correr bem a este Governo, não estavam a correr bem ao anterior e temo que não correrão bem ao próximo, venha ele quando vier. Há, sobretudo, uma degradação em plano inclinado do desempenho daquela que porventura será a variável mais importante: o acesso.
A que se deve tal degradação? Essencialmente, ao aumento da complexidade do problema, exaustivamente estudado e reconhecido por todos: a combinação explosiva entre um acelerado envelhecimento, a exigência de melhores cuidados pelas populações e a insuficiência de recursos humanos - quadro comum aos países com sistemas de saúde estruturados, nomeadamente os europeus.
E como se pode responder? Infelizmente já não partilhada por todos, mas ainda assim por uma grande maioria, a resposta, que exige ousadia e coragem, em algumas dimensões, beliscando interesses corporativos instalados, passa por introduzir, definitivamente e em grande extensão mais e melhor tecnologia, mais e melhor gestão e modernas e arejadas formas de motivar e gerir o recurso chave - os trabalhadores da saúde. Tudo isto com meios financeiros da ordem de grandeza dos que têm sido disponibilizados, desde logo porque não haverá muito por onde os aumentar.
O problema é, pois, de grande dimensão e complexidade e não se compadece com respostinhas tímidas e pontuais.
Por isso, usar, como tem vindo a acontecer, a saúde dos portugueses para a luta partidária, na maior parte das situações em operações de pequena política, quer pelo lado do Governo, quer pelo lado das oposições, não me parece uma boa ideia. Mascara o problema e não o resolve, muito pelo contrário, contribui para o seu agravamento.
Uma forma tão ousada como inteligente de inverter este estado de coisas passaria pelo estabelecimento de um amplo pacto de regime, assente e estruturado em bases de largo consenso, que regulasse as principais variáveis e as principais estruturas.
A esmagadora maioria dos portugueses já por diversas e reiteradas vezes fez saber que quer continuar a ver o SNS como elemento estrutural do sistema nacional de saúde. Também parece evidente que neste contexto o que os preocupa é o acesso aos cuidados de que necessita, quando necessita e de forma rápida e simples.
Não é fácil, mas, paradoxalmente, esta poderia ser uma boa altura.
Estou convencido de que quem for capaz de trazer uma proposta desta natureza para a opinião pública, apresentando-a de forma simples, objetiva e fundamentada - dispensando a insuportável demagogia barata -, poderia ter ganho de causa que, neste caso, seria um ganho de todos, inclusivamente dos seus adversários políticos.
Estou também convencido de que esta abordagem, mobilizando os cidadãos para tomarem nas suas mãos um dos grandes desafios civilizacionais dos tempos que correm, não de forma direta, mas forçando os seus governantes e decisores a irem por esse caminho, teria certamente um efeito arrastador e demonstrador junto de outros países e geografias com realidades semelhantes, com todos, e são muitos, os benefícios daí decorrentes.
Não, não é fácil, mas, mais tarde ou mais cedo, e seria bom que fosse mais cedo, vamos mesmo ter de ir por aí.