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A agenda mediática da saúde está ocupada, nos tempos que correm, quase exclusivamente pelo plano de emergência prometido na campanha eleitoral para ser apresentado até 60 dias da tomada de posse. Mérito comunicacional da maioria que apoia o Governo e do próprio Governo.
Mérito, porque passou para segundo plano os verdadeiros problemas da saúde.
Mérito, porque permite à nova equipa ministerial respirar e ter algum tempo para apanhar os dossiês e preparar a ação.
Mérito ainda porque conseguiu lançar a confusão sobre se o prazo dos 60 dias contempla a realização do conjunto de medidas que haverão de minimizar o caos no sistema ou apenas a sua identificação e calendarização.
Lidamos mais facilmente com o óbvio e simples do que com o difuso e complexo, ainda que o óbvio muitas vezes só o seja na aparência e o difuso, com um esforço de focagem, possa deixar de o ser.
Dando de barato a necessidade de um plano de emergência, e sem qualquer dúvida que este, no prazo já referido, não poderá ir além do inventário calendarizado do que tem de ser feito para mudar um conjunto de indicadores que impactam negativamente na vida de muitos cidadãos - o que não deixa, só por isso, de ser louvável -, aquilo que todos desejamos (doentes, profissionais e cidadãos em geral), e que julgo tem sido evidente a sua inexistência, é um plano para o nosso sistema de saúde.
Um plano que contemple as profundas alterações que têm vindo a ocorrer e que se irão intensificar, em variáveis-chave deste complexo ecossistema, como: i) a evolução do perfil demográfico da população; ii) as dinâmicas, com destaque para a preocupante escassez, da oferta de recursos humanos; ou iii) as novas, emergentes e disruptivas tecnologias, onde merece toda a atenção a revolução que está a acontecer nas áreas associadas à digitalização, à utilização dos dados e à inteligência artificial.
Um plano que defina as necessidades, não só as de hoje - que temo não estejam integralmente inventariadas ou, pior, que tenham leituras muito diversas em função de outros tantos pontos de mira - mas, sobretudo, as do médio e longo prazos cujas respostas têm de ser, desde já, pensadas e começadas a ser construídas.
Um plano que, no essencial e no estrutural, resulte de um amplo, informado e fundamentado consenso.
Definitivamente, num tema tão complexo e tão determinante para a qualidade de vida e para o equilíbrio social, não podemos continuar tão dependentes de quem, transitória e conjunturalmente, ocupa lugares decisivos nas estruturas de Governo e de poder. Além de desnecessário, é um risco muito elevado, como ilustra a realidade tão preocupantemente assimétrica que vivenciamos, por exemplo, nas últimas duas décadas.
A título ilustrativo, neste período, todos os que tiveram responsabilidades ministeriais no setor prometeram para breve a disponibilidade de um Registo de Saúde Eletrónico Universal o que, desgraçadamente, como sabemos, ainda não aconteceu. Entre muitas outras razões, porque se está sempre a começar de novo. Um plano conhecido e reconhecido por todos teria ajudado a que o desfecho fosse diferente? Parece-me óbvio que sim!