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O tema da utilização do Sistema Nacional de Saúde (SNS) por cidadãos não residentes tem estado nas notícias dos últimos dias com ares de novidade e de quase escândalo. Novidade, porque os números apresentados são impressivos e estão em acentuado crescimento - um pouco mais de 100 mil em 2023. Quase escândalo, porque desses, cerca de metade não têm qualquer cobertura de seguros ou acordos internacionais. Isto é, destes últimos não vamos receber qualquer pagamento pela prestação recebida; dos outros, receberemos, se tudo correr bem, um dia, talvez, uma parte. Mais, suspeito que na estrutura do SNS ninguém terá a conta-corrente atualizada e agregada desta realidade. Ninguém saberá, com rigor, a quantas andamos no que a este assunto diz respeito.
Tudo isto, e como infelizmente vai sendo regra, sem que ninguém seja responsável, porque já está inserido naquele grande dossiê onde vão sendo colocadas as inevitabilidades ou as maldições que se vêm abatendo num SNS já no limite das suas forças.
Tenho sempre muita dificuldade em aceitar esta abordagem que se desculpa num destino que nos maltrata e contra o qual só nos resta a resignação. No caso presente, não podemos deixar de nos questionarmos sobre como uma situação como esta é possível. Como se chegou até aqui?
Reparem, por favor, que ficamos agora a saber que a situação, com esta dimensão, e sempre a crescer, já vem de há uma meia dúzia anos.
Confessando grande simpatia por aquela máxima que diz que, nos hospitais públicos portugueses, primeiro trata-se e só depois se apura quem ou como paga, julgo que quando esta postura romântica vai além de uns quantos casos esporádicos - onde certamente os custos administrativos pela cobrança superariam largamente os eventuais proveitos conseguidos -, pura e simplesmente não é aceitável. É incúria e gestão dolosa dos nossos recursos coletivos e é, sobretudo, um mau princípio.
Claro que deste filme temos de retirar a normalidade: os cidadãos residentes, sejam nacionais ou não, que com os seus impostos suportam o Serviço Nacional de Saúde e como tal, legítima e constitucionalmente, ao mesmo devem ter acesso, sempre que dele necessitam.
Rejeitando aproveitamentos demagógicos, em qualquer dos dois sentidos com que habitualmente nos brindam, quer quanto às origens geográficas dos que beneficiam de tais borlas, quer quanto ao peso que estas podem ter na sustentabilidade do sistema, a dimensão a que a coisa chegou exige resposta, desejavelmente, muito próxima do imediato.
Mais, julgo que nos leva também ao reforço da ideia de que faltará muita gestão no nosso SNS. Com efeito, a existência do mais elementar sistema de apuramento e controlo interno de custos já há muito que teria acendido todas as luzes vermelhas e acionado todos os alertas.
Por fim, chamar a toda esta bizarria turismo de saúde não deixa de ser de muito mau gosto. Lamentavelmente, é só desorganização e desleixo ou, se preferirem, uma casa sem dono.