Corpo do artigo
Tomei de empréstimo o título de um ensaio de Milan Kundera publicado, em novembro de 1983, há quarenta anos, ainda antes da queda do Muro de Berlim. Nesse ensaio, o checo, depois naturalizado francês, Milan Kundera falava do diretor da agência de imprensa da Hungria que, em setembro de 1956, durante a invasão soviética, enviou para todo o Mundo uma mensagem que terminava com estas impactantes palavras: “morremos pela Hungria e pela Europa”. Esta referência fez-me lembrar uma outra recente frase do almirante Gouveia e Melo quando dizia que se a NATO precisar podemos ter de morrer pela Europa.
Em Portugal, geralmente, estas afirmações não ganham qualquer impacto porque pensamos sempre que é algo que não nos deve preocupar. Contudo, num momento de eleições europeias, a reflexão sobre a guerra obriga-nos a tal desiderato.
No ensaio, Kundera diz que para um húngaro, um checo ou um polaco a Europa não representa para eles só “um fenómeno geográfico, mas sim uma noção espiritual que é sinónimo da palavra Ocidente”. Antecipando o que está a acontecer na Ucrânia, considerava existirem três situações: a Europa Ocidental, a Europa Oriental e a Europa mais complicada aquela que estava geograficamente ao centro, culturalmente a oeste e politicamente a leste.
No fundo, esta é, hoje, a situação vivida na Ucrânia, situada quase na periferia do centro, a querer identificar-se política e culturalmente com a União Europeia onde a Rússia obsta a essa ideia como, no passado, o negou a todos os outros povos que estavam dentro da cortina de ferro que Churchill tão bem descreveu.
Nunca como agora tivemos tanta necessidade de Europa e de democracia. O encontro, este fim de semana em Madrid, de setores da extrema-direita veio evidenciar a falta de equilíbrio no debate político. Na extrema-esquerda continuam a soltar-se os demónios que vão arruinando o debate político.
Assim sendo, temos de compreender que precisamos de continuar a dar sentido à luta dos ucranianos e ao seu desafio de adesão à Europa e à NATO. Nesse ensaio, já ultrapassado pela marcha da história, fixamo-nos no título que antecipava a negação da história e a bravata das trincheiras ideológicas.
O atual debate político precisa de um centro moderado que entre a direta conservadora e a esquerda social saiba responder aos desejos das pessoas. A visita de Putin à China não pode ser o sequestro do Ocidente, com o regresso do medo, à qual a Europa deve dar como resposta o seu exemplo da sua cultura de tolerância e abertura ao Mundo.