O tema "país" tem sido tratado por poetas, escritores e ensaístas. Debate-se o que foi e o que será Portugal. Exprime-se a dor e o desencanto do que o país é e a nostalgia do que podia ser. Afirma-se o desejo de intervir para mudar Portugal.
Corpo do artigo
À pergunta "que país será Portugal em 2020, como nos olharão os outros países", José Mariano Gago respondeu, em 2000: "O que será, não sei. Mas gostaria que fosse visto como um país normal. Um país normal é aquele que pode ser excecional, que pode ter pessoas excecionais, produções excecionais. Precisamente porque é normal, ou seja, porque ultrapassou os atrasos antigos, atávicos que lhe limitavam a possibilidade de partilhar o progresso com os seus cidadãos e com os outros."
"País normal" podia ser o título desta coluna. Optei por "País possível", título de um livro de Ruy Belo, de 1973, que nos revela o mal-estar de um poeta que sente ter pago um preço caro por ter nascido em Portugal, num espaço e num tempo que o "destrói e assassina e o censura e a censura se instala na própria consciência". A censura, a subserviência e o medo "neste país sem olhos e sem boca", "onde o povo em vão requer curvado o que de fronte erguida lhe pertencia".
O pessimismo e a negatividade de Ruy Belo têm, porém, contraponto luminoso no inconformismo e na coragem da esperança no futuro:
O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da
[estrada
as profundas crianças desenharão
[a giz
esse peixe da infância que vem na
[enxurrada
e me parece que se chama sável
mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será lá e serei feliz (...)
Com a mesma esperança no futuro, escreverei sobre os obstáculos, os preconceitos, os mitos que nos impedem de ultrapassar atavismos que estão presentes no nosso dia a dia, uns vindos do passado, outros construídos já em democracia. A censura já não existe, mas estão por todo o lado as tentações de silenciamento, através do insulto, daqueles que pensam diferente. Instituímos direitos sociais, mas persistem desigualdades inaceitáveis e sentimentos de exclusão. Vivemos num Estado de direito democrático onde não cabe o medo, mas a falta de coragem inibe muitas vezes a liberdade.
Assumo, perante os leitores, o compromisso de contribuir semanalmente para o debate público sobre o país com informação e argumentos. Nesta coluna darei o meu contributo para pensar o país possível, desejando que se transforma em país normal.
*Professora universitária