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O presidente da República, recentemente, comentou, perante jornalistas estrangeiros, a sua avaliação sobre as características do anterior e do atual primeiro-ministro. Fê-lo de uma forma surpreendente, considerando que António Costa tinha um estilo mais oriental e Luís Montenegro um estilo mais suburbano assente numa raiz ruralizada.
Esta situação nada tem de estranho porque sendo o presidente um reputado analista, por convicção e com formação académica na área da ciência política, compreende-se que tenha esta vocação.
Considero que da análise presidencial podemos ir um pouco mais longe. De um lado, o presidente quis dizer que ambos os primeiros-ministros assumem estilos diferentes e são personalidades diversas. O que significa que a avaliação presidencial e o modo de lidar com ambos seriam sempre muito diferentes.
Natural que assim seja. Costa, por convicção, gosta de se sentir envolvido e acarinhado pela Comunicação Social na sua decisão. Montenegro, por necessidade, prefere o recato, à Cavaco Silva, optando pelo estilo que este ajudou a sedimentar.
O presidente aproveitou para recordar algo que celebrizou o PSD, na década de 70 na liderança de Sousa Franco, as chamadas alas urbanas e rurais dos sociais-democratas.
O PSD assim dividido, porque na ala rural estava o Portugal profundo, liderado pelos barões, e na ala urbana estavam os militantes que protagonizavam as elites culturais e burguesas dentro de um Portugal que Eça de Queirós descrevia como “Lisboa e o resto é paisagem”.
Hoje, devido ao desenvolvimento do país, será difícil aceitar esta dicotomia, já que o Portugal profundo foi-se modernizando e aproximando do Portugal urbano, que gosta da gastronomia, da cultura e da arquitetura moderna, a par de uma oportuna liberalização dos costumes.
Ora, talvez seja neste choque de culturas que o presidente desejou alertar o país e os partidos políticos.
Será no campo político à Direita que se vão passar os próximos grandes desafios de liderança. A constante presença de Pedro Passos Coelho e a sua presumida abertura a entendimentos com André Ventura obrigaram já Montenegro a encontrar, no cabeça de lista da AD às eleições europeias, alguém que, apesar da sua juventude, possa ser um contraponto a esse espaço político.
À Esquerda o desafio já está em marcha com o secretário-geral do PS a procurar ganhar a liderança desse espaço político.
Contudo, o que parece ser de entender, agora, é que os urbanos e os rurais, no Portugal de 2024, não parecem estar disponíveis para continuar a aguardar as mesmas adiadas soluções estruturais para resolver os problemas que afligem, no seu quotidiano, os cidadãos.
Afinal, os mitos não duram para sempre e até a eternidade também é finita.