Ao longo da história dos povos acontecem sempre muitas coisas que envergonham os seus contemporâneos, bem como as gerações futuras. Existem situações que devem ser vistas com os olhos dos tempos e não procurar adaptá-las ou avaliá-las à luz da atualidade. Portugal começa agora a ter o distanciamento e a lucidez suficientes para olhar para alguns desses momentos e poder fazer a sua análise de arrependimento. Essa só depende do espírito dos nossos dirigentes e da capacidade de nos distanciarmos dos eventos para se poder ter uma perspetiva mais consentânea com os acontecimentos.
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Tudo isto aparece a propósito massacre de Wiriyamu, em Moçambique, no ano de 1972, e o pedido de perdão que as três mais altas figuras do Estado português tiveram oportunidade de fazer nos 50 anos desse nefasto e trágico acontecimento. Infelizmente, na nossa história, não foi um caso único. Batepá, em São Tomé e Príncipe em 1953, ou em Pindjiguiti, na Guiné-Bissau em 1959, são outros momentos tristes dessa história ultramarina. Andou bem o presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao começar a reconciliar a imagem de Portugal. Ele que conheceu bem a realidade moçambicana já que o seu pai foi governador-geral da província.
Os povos precisam desses safanões para se reconciliarem consigo mesmo. Foi isso que o chanceler Willy Brandt fez, em nome da Alemanha Federal, quando, em Auschwitz, se ajoelhou e pediu perdão. Não podemos ter vergonha de recusarmos o que soldados e oficiais portugueses fizeram naquele dia. Essas não eram as Forças Armadas portuguesas que viriam a fazer o 25 de Abril.
Está, pois, na hora de Portugal começar a fazer o balanço dessa parte da sua história que o processo apressado da descolonização impediu.
Olhar para essa nódoa que são os massacres de civis indefesos e dizer perdão.
Mas também olhar para todos aqueles que sendo africanos optaram por servir nas fileiras portuguesas, nas três frentes de guerra, e não foram por nós reconhecidos sendo o seu destino, muitas vezes, também triste.
Nada, mas mesmo nada, justificou a guerra do Ultramar. Fruto da Guerra Fria não foi sequer compreendida pelos nossos aliados. A política do orgulhosamente só foi o corolário lógico daqueles que acreditavam num único império. Na ressaca deste acontecimento, Marcelo Caetano chamou Kaúlza de Arriaga à metrópole. Este veio e quis conspirar. Felizmente a história estava atenta.
A nostalgia desse passado, encarnada por pessoas que nunca o viveram, não faz sentido. O que fará sentido é perceber que os desafios da história podem e devem ser oportunidades de futuro para Portugal. Afinal, estamos no século XXI.
Professor universitário de Ciência Política