Conservatório do Porto: onde a música está em primeiro, não se descuram as outras áreas
Na Escola Artística do Conservatório de Música do Porto, os professores não sobrecarregam os alunos com trabalhos. Sabem que têm de praticar muito em casa.
Corpo do artigo
A Escola Artística do Conservatório de Música do Porto foi o estabelecimento público com melhores resultados a Português, exame a que se apresentaram os alunos do regime integrado. É a prova de como, apesar de estarem focados numa área muito específica, não deixam outras disciplinas para trás.
O mérito é dos alunos, mas também dos docentes, que não os sobrecarregam com trabalhos de casa. "Por norma, desde o primeiro ano, os professores sabem que têm de ter em atenção o facto de os alunos precisarem de se dedicar à música em casa", começa por explicar António Moreira Jorge, diretor. A propósito, diz que "estes alunos não sabem o que é ter férias grandes, porque levam sempre o instrumento com eles".
16532959
Numa escola onde o bem-estar emocional dos estudantes é também uma prioridade, são vários os motivos que contribuem para o sucesso. António Moreira Jorge acrescenta um que pode passar despercebido a quem é de fora, mas que no conservatório é reconhecido por todos: há como que "um contágio" que passa da música para as outras salas de aula, o que lhes confere "mais disciplina, foco e capacidade de trabalho".
Apesar de ser "extremamente rigorosa" na preparação dos alunos, Helena Vouga, professora de Português, sabe bem que "a música ocupa sempre o primeiro lugar". E diz: "É com humildade que lhes apresento o Português, para tirar o maior rendimento possível no mínimo de tempo possível".
Por isso, as aulas têm de ser muito bem programadas. Pela experiência que tem, a docente sabe em que matérias os alunos falham mais nos exames e vai fazendo soar os alertas ao longo do ano. Outra forma de os ajudar é, sabendo que têm pouco tempo para dedicar às obras literárias obrigatórias, ler os excertos mais significativos aos poucos, nos finais de aula, para ficarem "mais bem preparados".
Quando os alunos faltam a um teste por terem de prestar provas fora - o que é muito frequente entre os futuros músicos -, Helena dá-lhes outra oportunidade. Tenta sempre que as aulas sejam divertidas e muitas vezes passa filmes. "Ninguém sai das minhas aulas sem ver 'A vida é bela'", garante.
Reconhece nestes estudantes maior criatividade para a escrita - "O cérebro deles desenvolve muito o hemisfério direito" - acrescentando que, no geral, "têm uma postura completamente diferente, muito mais adulta".
A acabar o secundário, Miguel Marinho não terá problemas quando fizer o exame. Apaixonou-se pela disciplina de Português logo no 1.º ano, quando entrou para o conservatório, por causa da professora que teve na altura. "Dava muita importância à cultura" e o seu modo de ensinar deu-lhe "uma facilidade muito grande para as outras disciplinas", conta.
Depois de ter estudado trompa, Miguel dedica-se agora ao canto lírico. É barítono, tem 18 anos e no currículo conta já com três participações em óperas, como solista - a mais recente foi "Júlio César no Egito", de Händel, em duas récitas que encheram o auditório do conservatório.
Recorda que, desde que entram nesta escola artística, os alunos "são sujeitos a trabalhar em conjunto e a participar em orquestras", o que lhes dá uma maior noção do trabalho em equipa e, em paralelo, o foco necessário para seguir o maestro. A atitude e a concentração acabam por ser transportadas para as aulas da formação geral.
Miguel quer prosseguir os estudos superiores em música mas ambiciona mais do que isso. "Gosto de estar em palco, em geral. Não quero fechar leques", refere, a propósito de querer fazer também provas na área do teatro.
Aproveita as aulas ao máximo, porque, diz, "é nas aulas que se aprende mais". Em casa não pratica tanto tempo quanto outros colegas - o seu instrumento é a voz e trabalha-a duas a três horas por dia -, mas, ainda assim, não tem tempo a perder. "Mais vale estarmos atentos nas aulas", reforça o também futebolista. Agora só joga "informalmente", mas já foi federado.
Todos estes testemunhos podem resumir-se numa só expressão do diretor do conservatório: "Grande capacidade de gestão de tempo e grande capacidade de trabalho". Até porque está em causa "música ao mais alto nível, de alto rendimento".