Dois chefs e uma escritora tornaram real a receita de um dos pratos que o romancista referiu na sua obra. Em Seide São Miguel, Famalicão, poderá ser provado na cozinha da habitação.
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"É de comer e gritar por mais" dizia o escritor Camilo Castelo Branco no seu livro "O Santo da Montanha" quando se referia ao manjar de galinha com pão tostado e ovos escalfados, a "Galinha Mourisca". É um dos muitos pratos da obra literária do romancista para quem a gastronomia assumir um importante papel. Na literatura e na vida. Uma relevância que tem vindo a amplificada no universo camiliano de Seide São Miguel, em Famalicão, onde se situa a Casa Museu de Camilo e o Centro de Estudos Camilianos, cativando visitantes. Uma captação que pode crescer com as obras de renovação e restauro das duas infraestruturas, cuja inauguração acontece em março.
O legado gastronómico do autor de "Amor de Perdição" é aliás, algo que a Câmara de Famalicão quer apostar. "Muitas são as páginas escritas por Camilo Castelo Branco com descrições inspiradoras daquilo que se comia em Portugal, no século XIX. E isso é um legado que queremos potenciar aliando a Casa de Camilo à gastronomia", diz o autarca Mário Passos.
A Câmara encara a gastronomia como um "aliado" para atrair visitas à Casa de Camilo, tendo até introduzido a "Galinha Mourisca" na iniciativa "Dias à Mesa" que decorreu em junho, e desafia os restaurantes a disponibilizar o prato.
"Nunca será um prato identitário de Famalicão mas trata-se de uma proteína que se usa no Minho e que toda a gente tinha, assim como o toucinho", explica Renato Cunha, chef do restaurante Ferrugem onde durante dois anos uma ementa camiliana constou do menu. A receita da "Galinha Mourisca" já tinha começado a ser trabalhada por um restaurante do concelho com o apoio de Elzira Queiroga que escreveu o livro "À Mesa com Camilo", onde figuram várias receitas que surgem na obra camiliana. E foi a partir daí que Renato e a chef Lígia Santos investigaram e tentaram "perceber como é que o prato evoluiu ao longo dos tempos".
Importância da comida
Várias experiências depois, chegaram a um referencial da receita e aos métodos de confeção indicados, que transmitiram em workshops aos restaurantes para que a iguaria pudesse ser disponibilizada no "Dias à Mesa". Este e outros pratos poderão ser servidos na cozinha da Casa de Camilo, uma das valências criadas com as obras de restauro, já que a comida assume uma "grande importância" para o escritor. "Recorre à comida para caracterizar personagens, para marcar períodos do texto e até para fechar capítulos", diz Elzira.
A gastronomia, as obras de restauro e a Rota de Camilo serão pontos que vão ajudar a chamar visitantes a Seide São Miguel mas não só. "Este é o polo mais forte da geografia camiliana, tendo em conta que ele é o autor da maior obra do romantismo português e isso constitui facto catalisador das visitas culturais", diz José Manuel Oliveira, diretor da Casa Museu e do Centro de Estudos Camilianos. "Camilo é um anzol cultural porque há locais do Norte cuja afluência vai aumentar por motivos camilianos", continua.
José Manuel frisa que o crescimento do número de visitantes deve ser "consolidado". "Temos a particular felicidade das pessoas virem cá ao longo da vida"
Trabalhos de restauro concluídos em março
As obras de renovação e restauro da Casa de Camilo são inauguradas a 16 de março, altura em que se assinalam 197 anos do nascimento do escritor.
A Casa Museu foi remodelada e foram realizados arranjos exteriores, sendo que a casa dos caseiros foi restaurada e a zona da quinta será replantada, recriando assim o cenário onde o romancista viveu. O investimento de cerca de 320 mil euros permitiu criar novas valências como uma cozinha, uma sala para os serviços educativos e pedagógicos, sequeiro e logradouro para o desenvolvimento de atividades do quotidiano oitocentista.
Financiada por fundos europeus, a empreitada está inserida na candidatura "Rota Camilo: Valorização da Casa Museu e Cemitério da Lapa".
Camilo Castelo Branco viveu 26 anos na casa de Seide, onde chegou por amor a Ana Plácido. Foi, aliás, ali que escreveu algumas das suas maiores obras literárias.