Nas aldeias atingidas pelo grande incêndio ainda não se recuperou do choque.
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Nota-se emoção no falar de José Serralheiro quando recorda o luto que cobriu a serra à volta de Bustelo, no concelho de Chaves. Da porta da Junta de Freguesia, onde tem lugar no executivo de há quarenta anos para cá, tem vista direta para o lugar onde o incêndio começou, no dia 15 de julho. "Foi além". E de lá ganhou forças para alastrar e derreter floresta, mato, culturas e algumas casas em 10 localidades perto da fronteira com Espanha, em cujas terras galegas terá ardido outro tanto. Não houve vítimas.
Nos "80% da área da freguesia ardida", José Serralheiro inclui uma floresta que estava no ponto alto do rendimento, tanto em resina como em madeira, a favor da junta a que agora preside e da população local. "Ainda há três anos lá tínhamos investido mais de 80 mil euros num projeto". Este ano já lá moravam "mais oito mil euros" na limpeza dos estradões. E agora, "150 hectares de pinheiros, carvalhos e sobreiros" cobertos de negro. Só os estradões sobressaem como "mapa desenhado na floresta".
Este sábado há uma festinha para os mais velhos e para os emigrantes. "Era para nem haver, por causa do fogo, mas depois pensou-se "vão-se os anéis, ficam os dedos", assim como assim "está tudo perdido e está", ao menos "alegra-se o povo". Mas há outra festa para 5 e 6 de agosto. Esta maior, dedicada ao Senhor dos Aflitos. Da aflição que ainda hoje sente, Jaime Moura diz que "é melhor nem falar". Bem bastou quando chegou à sua propriedade, em Bustelo. "Fiquei como se me tivesse caído a alma".
O que Jaime diz a menos, diz Maria da Conceição Pires a mais. Ali anda ela, no meio do pó que a terra, de tão seca, parece. "Ando a encobrir milho". E acha que ele nasce? "Nasce, quando chover". É a esperança de quem tem de alimentar "um burro, um bezerro e quatro ovelhas". Para trás, o susto que o fogo lhe pregou. "Só não me ardeu a casa por sorte".
Desabafo semelhante é o de Maria Teresa Feijó, em Cambedo. Aflição? "Se foi aflição!" E depois ver aquelas chamas medonhas com 30 metros de altura, ou mais, e o meu marido que não saía de lá, com o fogo dobrado em cima dele, a cuidar que não chegasse à casa. Enfim... chegou aos pés dela, mas não ardeu".
Em Vilela Seca o lume chegou a um solar de 1920 onde só morava Domingos Calvão. Só não arderam as paredes. Morreram alguns cães. Salvou apenas uma fotografia antiga, umas calças e uma lanterna. A casa está no meio de uma propriedade murada cheia de mato, que também ardeu. Outras casas, todas devolutas, também foram consumidas por este incêndio em localidades próximas, como em Torre de Ervededo.
A Câmara Municipal de Chaves espera concluir nos próximos dias o levantamento total dos prejuízos causados. A primeira estimativa do presidente da Câmara flaviense, Nuno Vaz, era de seis mil hectares destruídos em cada um dos lados. A autarquia vai avaliar a possibilidade de acionar a declaração da situação de calamidade