Matos Fernandes decretou nulidade da licença da construção em Matosinhos, que deve parar de imediato. Inspeção concluiu que projeto nascia em terrenos da Reserva Ecológica Nacional.
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É nula a licença do hotel que está a ser construído em cima da praia da Memória, em Perafita, Matosinhos. O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, assinou esta segunda-feira o despacho determinando que a obra deve ser "parada de imediato e impostas as condições originais do terreno". O empreendimento de quatro estrelas tinha recebido luz verde de todas as entidades competentes e foi-lhe até atribuído o título de "utilidade turística" pela Secretaria de Estado do Turismo, que conferia benefícios fiscais ao promotor.
A decisão do governante foi tomada na sequência da apresentação do relatório da averiguação ao licenciamento municipal do empreendimento pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), instaurado a 16 de dezembro.
No entanto, o processo, não tendo efeitos suspensivos, permitiu que os trabalhos continuassem e que um dos três edifícios começasse a ser erguido. O primeiro piso está em fase de conclusão.
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De acordo com a investigação, o licenciamento é nulo e considera-se que "deveriam a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Câmara de Matosinhos ter agido com maior cautela neste processo".
As escavações do terreno já realizadas na margem das águas do mar, que "integram a prática de uma contraordenação muito grave", são uma das infrações apontadas.
"Abaixo da cota do mar"
Na Rua de Almeiriga Norte, em frente ao estaleiro, um dos residentes confessava ontem já não ter esperança relativamente à paragem dos trabalhos. Ao JN disse acreditar que o terreno estava a ficar "abaixo da cota do mar". "Está sempre cheio de poças. Chova ou não. Os trabalhadores têm de recorrer a um tubo para conseguir retirar a água", revelou, recordando que, em 2014, o mar subiu chegando a entrar em várias casas.
Desde que o JN noticiou a construção do Memória Talasso Hotel Apartments, em outubro, as várias entidades foram justificando o licenciamento da obra.
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A Autarquia argumentou que "o empreendimento não afetava solos da Reserva Ecológica Nacional (REN) e encontrava-se restrito à área reservada para equipamentos turísticos". Uma justificação rebatida pela IGAMAOT, segundo a qual a área em questão "encontra-se vinculada ao cumprimento do regime jurídico da REN".
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), sustentou que "naquele local em concreto foi excluída uma área destinada à execução do equipamento turístico". A averiguação assegura que tal "nunca ocorreu", pelo que o terreno permanece na restrição de utilidade pública.
A obra viola o regime jurídico da REN e, por isso, o licenciamento da Câmara de Matosinhos é inválido.
Mudança de parecer
A CCDR-N recusou, há 15 anos, um pedido de construção naquele terreno por estar em área afeta à REN. E disso mesmo informou por carta um morador que questionou a viabilidade de uma obra no local.
A CCDR-N afirmou ter aceite, em fevereiro de 2017, o pedido de informação prévia do projeto atual para a praia da Memória, uma vez que tinha sido reformulado. "A proposta previa a construção do equipamento turístico e de apoios de praia, não sendo a sua realização coadunável com esta última finalidade", sustentou a entidade, explicando que após ter sido retirada a intenção de construir apoios de praia, o empreendimento "tornou-se viável".
A entidade garantiu ainda que, naquele local, "apenas podiam ser executados projetos enquadráveis no fim para o qual a área de exclusão à REN se destinava, ou seja, um hotel".
Revelação
Foi no dia 3 de outubro que o JN noticiou a construção do hotel em cima da praia da Memória, a cerca de 100 metros do mar. Uma obra que teve aval de todas as entidades competentes, mas que foi contestada por parte dos moradores.
Passos do processo
11 out 2019 - Obra suspensa para negociar com Governo e Autarquia
12 out 2019 - Surge a possibilidade de relocalizar hotel num terreno do outro lado da rua
23 out 2019 - Câmara quer chegar a acordo com promoto
25 out 2019 - Ministério do Ambiente pondera expropriar terreno
29 out 2019 - Grupo de ambientalistas e moradores manifesta-se em frente ao estaleiro
1 nov 2019 - Obra é alvo de denúncia na Procuradoria-Geral da República
7 nov 2019 - Discute-se a possibilidade de indemnizar o promotor, Mário Ascenção
15 dez 2019 - Obra é retomada. Estava suspensa para negociações
16 dez 2019 - Ministro do Ambiente pede investigação ao licenciamento
21 jan 2020 - Processo de averiguação prorrogado por 20 dias