Procuradoria-Geral da República diz que inquérito, instaurado há quatro anos, continua em curso.
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Foi há quatro anos, cumpridos no passado dia 24 de janeiro, que o país acordou com as imagens de um rio Tejo poluído por uma espuma branca em Abrantes. Findo este tempo, o inquérito instaurado pelo Ministério Público de Castelo Branco para apurar responsabilidades continua em curso, segundo revelou ao JN a Procuradoria-Geral da República.
A Protejo-Movimento pelo Tejo diz não compreender "tanto tempo" para apurar indícios de poluição. "Caso não haja qualquer acusação formal por parte do Ministério Público, consideramos que será um péssimo serviço à justiça ambiental em Portugal e um incentivo às práticas de poluição", diz o dirigente Paulo Constantino, que também refere a falta de culpados de descargas anteriores.
"Dantesca" e "assustadora" foram adjetivos atribuídos à espuma com uma altura de meio metro e que foi revelada ao Mundo nas redes sociais por Arlindo Marques, um apaixonado pelo Tejo. Em resultado do incidente, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) detetou fibras de celulose 5000 vezes acima do nível normal e aceitável.
Os valores de oxigénio reduzidos obrigaram o Governo a atuar em maio desse ano. Foram retirados, por aspiração no fundo do leito, sedimentos de fábricas de celulose na zona do Arneiro (Nisa) e em Vila Velha de Ródão (Castelo Branco), onde está localizada a empresa de pasta de papel Celtejo, do Grupo Altri, uma operação nunca antes feita em Portugal (ler caixa).
"O custo de limpeza foi de 1, 2 milhões de euros e foi pago pelo Fundo Ambiental, ou seja, com o dinheiro de todos nós", destaca Paulo Constantino, que teme que este caso possa prescrever, receio que foi colocado pelo JN ao Ministério Público, que não respondeu até ontem.
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O Ministério Público (MP) de Castelo Branco instaurou, entre 2015 e 2018, três inquéritos, todos por crime de poluição no rio Tejo. A este acrescenta-se uma denúncia da autoria da Protejo, do PAN e da associação Zero-Associação de Sistema Terrestre Sustentável contra a empresa de produção de energia elétrica através da combustão de biomassa "Centroliva e outras". Esta empresa foi obrigada a encerrar parte da área fabril.
O MP disse ao JN que proferiu despacho de acusação no Tribunal Judicial de Castelo Branco a 2 de outubro de 2018. O processo foi enviado ao Juízo Local Criminal de Castelo Branco, que proferiu despacho de não pronúncia. O MP recorreu mas, no acórdão de 20 de janeiro de 2021, o Tribunal da Relação de Coimbra deu como "improcedente o recurso" e o caso foi arquivado.
Água está melhor
A Protejo confirma que, hoje, "a qualidade da água melhorou substancialmente a partir das medidas tomadas pela APA". Contudo, continuam "os principais problemas de poluição na bacia do Tejo, que decorrem da poluição vinda de Espanha (agricultura e águas residuais urbanas), dos afluentes do Tejo (agricultura, agroindústria e suiniculturas) e da ineficiência e falta de manutenção das estações de tratamento de água residuais", anota.
Arlindo Marques diz que só depois da limpeza de 2018 é que o rio "teve uma melhoria de cerca de 90%, pois as indústrias de celulose sediadas em Vila Velha de Rodão não conseguem tratar a 100% os seu efluentes e tudo o resto é largado no rio".
A Quercus partilha da mesma opinião mas lamenta a dificuldade em aceder a informação atualizada sobre os resultados de monitorização do Tejo. "O Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos não tem dados atualizados disponíveis para o público. Por exemplo, da estação de monitorização da APA quando o rio entra em Portugal. Os dados disponíveis são de 2004", indica o coordenador da Quercus Castelo Branco, Samuel Infante.
Desde a construção da ETAR da Celtejo e de outras empresas da Ribeira do Açafal, em Vila Velha de Ródão, a qualidade da água "melhorou no troço entre Ródão e a barragem do Fratel". A agricultura intensiva continua, porém, segundo Samuel Infante, a criar problemas pontuais.
Processo
Celtejo com acusações públicas do ministro
"Não temos a menor dúvida de que foi a celulose. As fibras celulósicas estavam concentradas [no local] a um nível 5000 vezes acima do normal. Não vou dizer que são 100% [da Celtejo] , mas a quase totalidade vem da indústria do papel". Estas palavras foram proferidas em 14 de fevereiro de 2018 por José Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente. Vila Velha de Ródão concentra a maior parte dessa indústria no curso do Tejo. A Celtejo é a principal e a mais antiga fábrica a produzir pasta de papel naquela zona. Pertence ao grupo Altri, de Paulo Fernandes, presidente do Conselho de Administração do grupo Cofina (que detém o jornal "Correio da Manhã", a CMTV e a revista "Sábado"). A investigação ao foco de poluição em 2018 teve contratempos, entre eles o roubo de um computador com a base de dados recolhida pela Inspeção-Geral do Ambiente na Celtejo.
Números
281 ações de fiscalização em 2020
A ARHTO fez 281 ações de fiscalização, em 2020. "Foram remetidos ao Ministério Público dois processos cujos autos de notícia indiciavam prática de crime de poluição", refere aquela administração.
243 autos de notícia e/ou participações
Pela ARHTO e entidades parceiras com competências de fiscalização foram lavrados 243 autos de notícia e/ou participações, dos quais foi iniciada a instrução em 2020 de 109 processos de contraordenação.
Mariana Valezim e Bruno Reis, guardiões do Tejo
APA fez renascer os "guarda-rios" após descargas de 2018. A natureza é o seu meio de trabalho e a sua missão é monitorizar a água
Mariana Valezim, da Covilhã, tem 30 anos e vive uma experiência profissional que nunca colocou no horizonte. Licenciada em Proteção Civil respondeu ao concurso público lançado em 2019 pela APA para admissão em cinco postos na carreira de vigilante da natureza. "Por que não?", pensou. E juntou-se aos 64 candidatos.
Depois de uma formação com componente teórica e prática, faz agora da natureza o seu ambiente de trabalho, quer esteja frio, calor, nevoeiro ou a chover. "A nossa mesa de trabalho é o rio, todos os dias", afirma.
O JN acompanhou Mariana e Bruno Reis, de 25 anos, de Lisboa, num desses dias. Foi numa das margens do Tejo, junto à barragem de Cedilho. É por ali que o maior rio ibérico entra em Portugal e que tem início o dia destes dois "guarda-rios" afetos à ARHTO-Administração da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste. Têm de fazer quatro pontos de paragem nos 300 quilómetros de rio até Constância para monitorizar a água, fiscalizar e vigiar a utilização do curso de água e seus efluentes, dar execução a embargos, autos de notícia, entre outras matérias. Na mala levam os meios tecnológicos indispensáveis para registo de ocorrências, comunicação e reporte (tablets, smartphones e hotspots).
Plataforma no futuro
No futuro, está previsto que o trabalho diário esteja ligado, em tempo real, à Plataforma Eletrónica Única de Gestão, cujo procedimento está em curso segundo a APA, que em 2021 criou uma plataforma de fiscalização e vistorias, com o intuito de programar, planear e registar os resultados das ações.
"Fazemos este trabalho todas as semanas com os colegas sediados em Abrantes. Fazemos o percurso numa semana e eles fazem na seguinte. Quando são eles, dedicamo-nos a fiscalizações, entre outras ações", conta Bruno.
Nuno Lacasta, presidente da APA, diz que a designação de guarda-rios passa por uma "questão sentimental". "Há muitos anos que os guarda-rios deixaram de funcionar como tal", tendo o Ministério do Ambiente entendido que "era importante criar a figura técnica de vigilantes da natureza".