Cerca de 700 pessoas manifestaram-se contra os incêndios em 15 localidades de Portugal este sábado. Com principal destaque para a Lousã, Arganil, Pedrógão Grande, Sertã e Oliveira do Hospital, o protesto organizado pela Rede Emergência Florestal / Floresta do Futuro "é um grito de revolta contra a resignação de que Portugal tem de ser o país mais inflamável da Europa", disse a Organização, que juntou ainda gente em Águeda, Aveiro, Braga, Coimbra, Lisboa, Odemira e São Pedro do Sul. No Porto, foram cerca de 30.
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Maria tem nas mãos um cartaz desbotado pelo tempo: "Não queremos um deserto verde." A mensagem foi guardada de outra manifestação, no ano passado, e evocou um dos três "érres" - Reciclar, Reutilizar e Reduzir - numa das 15 manifestações nacionais dos "três dês" - "Descaliptização, Descarbonização e Democratização", organizada pela rede cidadã Emergência Florestal/Floresta de Futuro. "É a primeira de muitas manifestações", disse Carlos Evaristo, porta-voz do movimento na Invicta.
"Basta de Monocultura, Floresta é Biodiversiadade", lia-se numa faixa emoldurada por ramos de eucaliptos pendurada numa das japoneiras que dão verde à granítica avenida dos Aliados, no Porto. "Estamos aqui num lugar simbólico, exigimos algo muito simples: respeito pela floresta, pelos animais que não podem falar e contam com a nossa voz", disse Sónia Brioso, do mesmo movimento, falando aos manifestantes. "Eucaliptal é fatal", lia-se noutra tarja, que ajudava a dar o mote, visível no primeiro "dê" da mobilização. "A substituição do eucalipto é fundamental", acrescentou.
"Com mais um bocado de trabalho, o carvalhal dá mais rendimento", argumentou Carlos Evaristo, apontando a um estudo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Embora demore mais anos a crescer, uma floresta de carvalhos "permite subprodutos como os cogumelos ou o mel, valoriza a paisagem e atrai turistas - ninguém gosta de fazer turismo no meio dos eucaliptos", acrescentou, lembrando o mote principal da manifestação: os fogos florestais.
"O eucalipto é uma árvore que beneficia do fogo para se reproduzir", diz Carlos Evaristo. A árvore, originária da Austrália, não só medra no fogo como "é terreno fértil para invasoras como mimosas e acácias", argumentou, defendendo a substituição do eucaliptal por floresta autóctone. "Os carvalhos e sobreiros desenvolveram estratégias melhores para lidar com o ciclo do fogo", argumentou.
"A monocultura do eucalipto é uma paisagem monótona que só degrada os solos", que não é só consequência, mas também causa. "Num interior abandonado, o eucalipto cresce por ele próprio, não precisa de manutenção, não produz emprego e contribuiu mais para a desertificação", defende Carlos Evaristo.
Considerando que "há muito interesses para que o eucalipto seja uma monocultura", Evaristo diz que Portugal "é dos maiores produtores de papel precioso, para fotocópias, do Mundo e também de papel higiénico" e que "é preciso intervenção política", para mudar.
Rendimento básico para proprietários rurais
Na manifestação, na Baixa do Porto, o deputado Jorge Pinto, do Livre, disse que partido que está a ultimar uma proposta para criar um rendimento básico para os proprietários rurais. "Estas pessoas são a primeira linha de combate aos fogos, mas também na prevenção", argumentou, explicando que a proposta servirá para atrair também mais gente. "É preciso dar condições às pessoas para se fixarem no interior", disse aquele parlamentar, eleito pelo círculo do Porto nas últimas eleições legislativas.
"Governos têm sempre propostas reativas, apresentadas após os fogos. Mas deixa-se de falar no assunto em outubro", denunciou Jorge Pinto. "Por isso, o Livre vai fazer uma volta florestal pelo país, falar com as vítimas dos incêndios e com especialistas em fogos e na floresta. As atas de cada reunião serão reunidas num documento a apresentar no fim do ano político, em junho, a tempo da nova época de incêndios", acrescentou.
"Ao contrário dos partidos populistas, o Livre apresentou apenas uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que foi rejeitada". Anunciada após o apagão de 28 de abril, que deixou o país desligado da corrente durante cerca de 12 horas, visada garantir que Portugal tinha Preparação, Planeamento e Prontidão para enfrentar catástrofes, como, por exemplo os incêndios florestais. "Num país em que sabemos que vão acontecer, temos de ter presentes estes três pês", argumentou.
Rio Leça, esgoto a céu aberto
Entre os manifestantes, Israel Pontes vestia uma camisola com a frase "Salvem o nosso rio Leça" estampada sobre uma imagem de destruição. "É o rio mais poluído de Portugal e um dos mais poluídos da Europa", disse "Um esgoto a céu aberto que este ano levou ao encerramento da praia de Matosinhos várias vezes", denunciou, justificando a presença na manifestação contra os fogos florestais. "Qualquer causa ambiental é importante. Não somos muitos e se não nos unirmos vamos a lado nenhum", disse.
No lançamento do Dia Mundial dos Rios, no dia 28 de setembro, Israel quis estabelecer pontes com outras organizações de interesse ambiental. "Temos de estar próximos, porque não há assim tantas pessoas com este tipo de preocupações", argumentou. Palavras que encontram eco no presidente da Agir Pelo Planeta, Manuel Reis. "É um assunto de todos, mas são sempre só meia dúzia a pensar global", disse, enquanto segurava o filho Manuel, de cinco anos.
"Ele tem medo que os animais fiquem sem casa" por causa dos fogos, disse a irmã, Maria Reis, 12 anos, mãos firmes no cartaz contra o "deserto verde" - o eucaliptal no centro da manifestação. A ironia, segundo Manuel Reis, pai, é que "na monocultura de eucaliptos há menos espécies animais a viver."
A família Reis não é nova neste tipo de eventos, como se vê pelo cartaz reciclado e desbotado. Maria acompanhou o pai a plantar carvalhos em Ponte de Lima, um dos locais onde a Agir Pelo Planeta levou árvores autóctones compradas com o dinheiro angariado num evento realizado em Vila Nova de Gaia. "Trabalhamos pelo futuro deles", disse Manuel, pai. "O planeta não é uma dádiva dos nossos pais, é um empréstimo dos nossos filhos", sublinhou Maria.