Três crianças, com seis, nove e 11 anos, foram institucionalizadas na associação Berço, na terça-feira, no centro de acolhimento de menores em risco de Viana do Castelo, após supostamente terem sido abandonadas pela mãe, refugiada ucraniana.
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Segundo o presidente da instituição, Padre Artur Coutinho, as crianças deram entrada no centro por volta das 19.30 horas, por indicação da Segurança Social, após denúncia do caso à PSP pela escola frequentada pelos irmãos.
A família monoparental terá residência temporária em Viana do Castelo, como refugiada, desde março. A mãe ter-se-á deslocado à Ucrânia e deixado os filhos ao cuidado de conhecidos, um deles um cidadão russo que se encontra em Portugal com visto de turista.
"É uma situação delicada porque a professora da escola descobriu que um cidadão russo queria levar as crianças que tinham sido abandonadas por uma mãe ucraniana", contou ao "Jornal de Notícias" o padre Artur Coutinho, manifestando-se preocupado face à incógnita que paira sobre o caso. "Não sabemos porque é que o russo foi à escola. Sabemos que a professora se recusou a entregar as crianças e informou a direção que, entretanto, chamou a polícia. A partir daí foi um corre-corre para a CPCJ e para a Segurança Social, que telefonou para o Berço. Nós dissemos que tínhamos vaga e demos entrada", relatou, adiantando: "É difícil porque isso aconteceu de tarde e como era véspera de feriado, não houve tempo de definir uma solução. Havia de resolver o problema das crianças no imediato e a solução foi entregá-las ao Berço".
De acordo com o padre Artur Coutinho, a instituição conseguiu entrar em contacto com a mãe que "não deu qualquer justificação" sobre a situação dos filhos. "Não deu para as técnicas [do centro de acolhimento] perceberem o que a mãe dizia. Ela falou com elas e com os filhos em ucraniano. Conseguiu acalmá-los, porque a institucionalização destes meninos não foi fácil. Inicialmente custou-lhes muito", indicou, acrescentando que as crianças "se encontram bem". E o seu destino estará, neste momento, em aberto.
"A primeira versão é que foi abandono, que a mãe os abandonou, e que depois foi um russo levantá-los à escola. Portanto, deve haver aí algum compromisso, mas não sabemos", referiu o padre Artur Coutinho. "Pode ser que na quinta-feira o tribunal decida e se descubra alguma coisa. O caso deve estar em investigação".
Contactada pelo JN fonte do Comando da PSP de Viana do Castelo confirmou que aquela polícia terá sido chamada "algumas vezes" nos últimos dias pelo agrupamento de escolas da Abelheira, a última delas na terça-feira, para intervenção numa situação em que "pessoas diferentes, não familiares de crianças, as estariam a ir buscar à escola com autorização da mãe". "Fomos identificar as pessoas porque um dia era uma e outro dia era outra. Fizemos o registo para salvaguardar a segurança e integridade das crianças, e comunicamos a situação ao Ministério Público", informou a fonte.
O subdiretor do agrupamento de escolas da Abelheira, Luís Braga, que acompanhou o caso, relata que a situação começou em 27 de setembro, com o recebimento "de uma chamada de uma cidadã portuguesa, que iria tomar conta das crianças porque a mãe teria ido à Ucrânia tratar de assuntos".
"Entretanto, no dia seguinte, a mãe foi à escola e entregou uma folha manuscrita a comunicar que três pessoas iriam tomar conta das crianças. Primeiro a portuguesa, depois uma ucraniana e por fim um cidadão russo", descreveu, referindo que a direção do agrupamento tentou "desde o primeiro dia avisar da situação a várias entidades, mas ninguém nos deu resposta". "A PSP foi-nos dando indicação para entregar as crianças. Até que esta terça-feira nos apareceu um cidadão russo, que está em Portugal com visto de turista, que nem sequer conhecia as crianças e nos disse que iria ficar com elas até 11 de outubro. Não podíamos aceitar que as crianças lhe fosse entregues", contou o subdiretor do agrupamento de Viana do Castelo.
"Fizemos contacto com a CPCJ em Lisboa, que foi determinante para a institucionalização. As crianças não podiam ficar na situação que a mãe as deixou. É completamente inaceitável".
Esta família ucraniana foi recebida em março, no âmbito do acolhimento a refugidos de guerra, na aldeia de Moreira de Geraz do Lima, em Viana do Castelo.
A receção, juntamente com outro agregado constituído por uma avó e dois netos com 17 e 20 anos, ficou a cargo da Associação Social Cultural Recreativa e Desportiva de Moreira de Geraz do Lima, em parceira com a junta de freguesia. José Fernando, presidente da associação, contou ao JN que a mãe e os três filhos, assim como os restantes refugiados, foram instalados numa escola desativada, mas que contava "com cozinha equipada e foi mobilada e apetrechada com o necessário, desde roupas a alimentos, para que estivessem confortáveis". E ali permaneceram até ao mês de junho, altura em que foram transferidos com o apoio da câmara de Viana do Castelo para novo local próximo da cidade.
José Fernando escusou-se a comentar o caso do alegado abandono dos irmãos, mas relatou que quando veio para Moreira de Geraz do Lima, "a mãe mostrou muito desagrado porque queria ir para uma cidade, estava muito desestabilizada e fazia muitas exigências.""Exigia tudo e mais alguma coisa, wi-fi e condições para os filhos jogarem e outra série de coisas. Foi muito difícil acalmá-la, de maneira a que ficasse cá a pernoitar", nota.
Contou ainda que dada a "insistência que queria ir para a cidade de Viana, a associação fez todos os possíveis para que fosse e foi isso que aconteceu". "Notava-se que havia alguma instabilidade emocional, mas nós pensámos que fosse por causa da guerra. Havia situações recorrentes em relação aos filhos, de nem sempre dar as melhores das atenções", descreveu, adiantando que "a outra família que era muito menos exigente e de excelente trato, funcionava como estabilizadora emocional da senhora".
Quanto à situação que agora veio a lume, José Fernando, rematou: "Os indícios e a constatação dos factos são elucidativos e, portanto, acho que não vale a pena adiantar mais nada. O que posso garantir é que cá nunca lhes faltou apoio".