A cor do casaco, sempre do mesmo modelo, que usará é a única incógnita da visita-relâmpago de Angela Merkel a Portugal, esta segunda-feira, dia em que começa a sexta avaliação da troika. Tudo o resto é previsível.
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A chanceler alemã dará apoio público ao seu aluno mais bem comportado (como já tinha sido Sócrates), de quem espera receber a garantia de que o rumo traçado não irá mudar.
No trajeto entre o aeroporto e as fortificadas residências oficiais do primeiro-ministro e do presidente da República talvez lhe chegue através de algum rasgão na cortina de segurança uma nesga da luz de Lisboa envolta em panos negros. De luto pela falta de soberania.
Mas que fatores políticos e económicos sustentam essa relação suserano/vassalo a remeter para a estrutura de poder da Idade Média?
O peso económico do país, que depois da derrota na II Guerra Mundial beneficiou (quase sem condições) de ajuda dos Aliados, através do Plano Marshal liderado pelos Estados Unidos, permite-lhe agora impor regras a uma Europa financeiramente falida, economicamente débil e politicamente fragilizada.
Na opinião de Soromenho Marques, professor de Filosofia Social, "a Alemanha reunificada aproveitou, fomentando-a, a fragilidade das instituições comunitárias". É que a criação da união monetária não foi acompanhada de uma verdadeira união política e a economia passou a reger a UE.
Como acentuou ao JN o presidente do Instituto de Estudos e Segurança da UE, Álvaro Vasconcelos, "a Alemanha percebeu a importância crescente dos estados de média dimensão num mundo policêntrico". É, assim, "compreensível que uma democracia muito forte com uma economia igualmente forte tente aproveitar todo o espaço deixado livre". "Faremos com a UE o que for possível como UE e faremos como Alemanha o que não for possível com a UE." Um conceito que Vasconcelos identifica com a atitude alemã em relação à Europa.
Sem instituições políticas legitimadas (os cidadãos só votam para o Parlamento Europeu), a UE, apanhada pela crise financeira de 2008, foi esmagada pelo poder das economias sólidas do Norte, que condicionou a periferia europeia. "E é essa periferia, com os movimentos sociais, que terá de criar laços entre si para inverter a lógica da supremacia". É a saída apontada por José Manuel Pureza, professor de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra.
Para o historiador José Medeiros Ferreira já há sinais de mudança e nota que "Portugal foi o último país a assinar um memorando". Ou seja, os países devedores já estão a dizer não à rendição incondicional. E resistem: Espanha, Chipre e Itália são exemplos.
Mas a mudança virá também do interior da Alemanha, que terá eleições em setembro e de onde chegam sinais, como a redução das exportações, de que o estrangulamento das economias periféricas tem limites. "E haverá o momento do auto-estrangulamento da Alemanha." Um vaticínio que, para Pureza, justifica que "vale a pena fazer toda a pressão para que a política mude". Até porque, na sociedade alemã é já visível a preocupação com a imagem exterior. Como lembra Álvaro Vasconcelos, "o regresso do sentimento antialemão está a gerar debate político intenso".