<p>Aldeia de Sumatra, na Indonésia, vive refém da exploração alheia da floresta que lhe garantea sobrevivência. E da ambição desmedida, que vai ao ponto de calar líderes com dinheiro.</p>
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Entra-se em Teluk Meranti, aldeia da ilha indonésia de Sumatra, a bordo de um pequeno barco. Ali não chegam estradas. Só dois rios. Um deles, o Kampar, dá nome à península que, há semanas, chamou a atenção do Mundo.
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E chamou de tal forma que os efectivos policiais na zona multiplicaram-se e ninguém se atreve a levar ali um jornalista estrangeiro se este não se mantiver bem longe dos olhos da Polícia.
Mohamed Yusuf, o líder cultural da aldeia acabado de chegar de Jacarta para tentar obter o apoio governamental para as pretensões da população de Teluk Meranti, sorri e aponta na direcção do centro da aldeia, onde a Polícia acabou de montar um cordão de segurança, antecipando a chegada do bupati, o líder do distrito de Pelalawan. A explicação chega pela voz do tradutor: "A Polícia não pode saber que está cá um jornalista estrangeiro". O problema não vem da própria Polícia, mas sim dos seguranças da empresa Riau Andalan Pulp and Paper, que "atacam os jornalistas". É por isso, explicam, que a Polícia evita a presença de estranhos na aldeia.
De facto, não é difícil manter alguém longe dos olhares de quem está na zona central da aldeia e onde se situam os edifícios governamentais. Teluk Meranti estende-se por três quilómetros, com grande parte das casas assentes no rio que garante a maioria da subsistência. É também ali que tomam banho ou lavam os dentes, no mesmo sítio em que são descarregados os dejectos das caixas de madeira que servem de casa de banho às casas.
O desejo de afastar os estranhos chega ao ponto de a Riau Andalan Pulp and Paper (RAPP), uma subsidiária do gigante asiático APRIL, reservar e pagar a ocupação permanente e total do pequeno hotel que serve a aldeia. "Hotel" é, neste caso, uma metáfora para a casa de palafitas, sem água corrente ou casa de banho, gerida por uma família local e que acolhe os forasteiros. Mas isso era antes. Agora, a casa permanece vazia, pelo menos enquanto a RAPP continuar a pagar a conta.
Mesmo sem "hotel", acolher bem os estranhos continua a ser uma regra. Mas, ontem, aplicá-la obrigava a algumas adaptações. Na casa de um dos notáveis da aldeia juntaram-se os líderes religioso e cultural da aldeia e alguns homens mais jovens, que têm assumido um papel activo na defesa dos seus direitos. A presença de um jornalista justificava as presenças. Ausente estava o lurah Hasan - o chefe da aldeia -, agora o principal defensor da presença da RAPP, que quer arrasar com uma área de mais de 45 mil hectares de uma das mais importantes florestas do Mundo para ali plantar acácias e produzir pasta de papel.
Hajrusman, líder religioso e um dos mais velhos da aldeia, assume as explicações: "A vida da aldeia depende da floresta. É dela que obtemos comida, madeira e mel. Os habitantes vendem esses produtos e vivem disso. Se a floresta for cortada, o que poderemos conseguir dela? Nada!". Mas é da boca de Suhandi, um dos jovens, que chega a acusação mais directa: "A RAPP pagou para algumas pessoas mudarem de posição".
Aparentemente, a visita do bupati, o líder do distrito, pretendia pôr termo a essa divisão, que coloca, de um lado, a generalidade da população e, do outro, um grupo mais restrito, ligado ao líder local, que apoia as operações da subsidiária do grupo APRIL. As expectativas eram grandes, mas conviviam com alguma desconfiança sobre as reais intenções do bupati: não estaria ali por convite da RAPP?
O curioso, recorda Yusuf, é que o lurah Hasan, poucos meses antes, tinha sido um dos muitos subscritores de uma carta endereçada à APRIL contestando os planos para a plantação de acácias na Península de Kampar.
Hajrusman e Yusuf deixam a discussão para os mais novos, mas não sem antes rematarem que, apesar das dificuldades, acreditam ser possível travar as pretensões da RAPP. O "ponto de viragem" nessa luta, como lhe chama Suhandi, foi a presença da Greenpeace. "A vinda das ONG para a aldeia e, em particular, o protesto da Greenpeace, mostrou aos habitantes de Teluk Meranti a importância da sua própria aldeia e da floresta que a envolve. Até aí, ninguém sabia nada de alterações climáticas ou emissões de dióxido de carbono. Agora, todos nós, mesmo os mais velhos, sabemos o que se passa e lutamos por isso".
Se fosse preciso provar o empenho da aldeia, bastaria observar as várias camisolas vermelhas que vão passando na que é a rua central da aldeia - uma passagem semelhante a um passeio percorrido a pé ou na omnipresente motorizada, que se prolonga pelos três quilómetros de extensão de Teluk Meranti. Num dos lados, em inglês, um slogan de protecção da floresta com a assinatura da Greenpeace e, nas costas, o mesmo em língua bahasa.
A ajuda das ONG acabou por dar alento a uma luta que não deixa de ser uma espécie de confronto entre David e Golias. Nenhum dos notáveis de Teluk Meranti ignora a disparidade de forças que está em confronto. Aliás, esse é um dos motivos que afasta o recurso aos tribunais. "Não temos dinheiro suficiente nem documentação que comprove os nossos direitos sobre estas terras e que nos permita ir a tribunal", lamenta Hajrusman, o líder religioso.
Dois gigantes em luta
Dois gigantes empresariais estão no centro desta polémica. A Asia Pacific Resources International Holdings Limited (APRIL) e a sua concorrente Asia Pulp and Paper (APP ) dominam - ou tentam dominar -, directamente ou através de empresas subsidiárias, a vasta área de floresta de turfa. Têm na região duas das maiores fábricas de pasta de papel do mundo, com uma capacidade anual de produção de mais de dois milhões de toneladas.
Mas esta é a terceira vaga de uma bênção que um ditado local resume: Riau é abençoada com óleo, por cima e por baixo da terra. A exploração de petróleo começou na década de 1930 nas zonas costeiras da província. Cinquenta anos mais tarde, arrancou a exploração em larga escala de óleo de palma, conduzido a um "boom" da desflorestação que cobriu Riau com mais concessões de óleo de palma do que qualquer outra região indonésia.
A década de 1990 assiste à chegada de um novo competidor: a indústria da pasta de papel, que rapidamente atinge os níveis de desflorestação provocados pela indústria do óleo de palma. Em 2000, a substituição das florestas por plantações de duas espécies de acácias para produção de pasta papel ultrapassa os níveis provocados pelo óleo de palma.
Activistas da Greenpeace e jornalistas deportados
"Devemos ter cuidado ao acompanhar jornalistas para as florestas e para as zonas concessionadas às empresas", diz Afdhal Mahyuddin, editor do boletim da "Eyes on the Forest", uma união de organizações não-governamentais na província de Riau. Na mente de Afdhal estão recentes incidentes envolvendo activistas da Greenpeace e alguns jornalistas estrangeiros, que terminaram na deportação de 18 pessoas.
Apesar de cauteloso, Arry Bule, da Scale Up, mostra-se mais tranquilo: "O pior já passou". E é com um sorriso que lembra que, poucos dias após os incidentes de meados de Novembro com a Greenpeace, levou à Península de Kampar uma equipa do "The New York Times". "Por acaso, os jornalistas tinham saído num barco e acabou por não haver grandes problemas", diz o director-adjunto da Scale Up, mais do que habituado a trabalhar na península, uma das principais florestas pantanosas da ilha de Sumatra.
O "campo de defensores do clima", como lhe chamou a Greenpeace, acabou por ter um efeito benéfico: ajudou a chamar a atenção para a luta constante em que estão envolvidas as organizações presentes na Península de Kampar, os seus habitantes, as autoridades e as empresas decidas a explorar aquela vasta área de território virgem para plantar árvores que alimentem as suas fábricas de papel.
Durante o protesto, os cerca de 50 activistas da Greenpeace bloquearam o equipamento pesado da PT Riau Andalan Pulp and Paper (pertencente ao grupo APRIL, com sede em Singapura, e que é um dos gigantes asiáticos do sector do papel) e acabaram por ser forçados pela polícia a deixar o protesto. Pelo caminho ficaram, inclusive, alguns confrontos com o grupo mais reduzido de habitantes que apoia as operações das companhias de papel e, em particular, o plano que prevê a utilização de cerca de 45 mil hectares de floresta.