"Então as pessoas estão a morrer e ninguém diz nada?", indigna-se Hermínia Albuquerque. O pai, Carlos Silva, foi na segunda-feira a enterrar. Morreu "do dia para a noite". Levou-o a legionela, depois de cinco dias "num sofrimento atroz".
Corpo do artigo
A um quilómetro dali, Rosa Silva vive há uma semana com "o coração apertado". O pai está internado. Diagnóstico? Doença dos legionários. Exige respostas. Ninguém lhas dá e a verdade é que já são, pelo menos, 62 infetados e seis mortos. Em Fajozes, Vila do Conde, há ruas com vários casos, novos doentes todos os dias e muito medo. Os mais velhos fecham-se em casa. A fonte de contágio continua por identificar.
Ontem, os infetados do surto que está a afetar os concelhos de Vila do Conde, Matosinhos e Póvoa de Varzim voltaram a subir. São agora 62. Há 39 internados no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e no Hospital de S. João, no Porto. No CHPV/VC deram entrada mais dois, em Matosinhos mais três e, sabe-se agora, no S. João há seis internados, dois nos Cuidados Intensivos, ligados ao mesmo surto.
Há também mais um óbito, elevando para seis as vítimas mortais. Era uma mulher, de 75 anos, residente em Lavra, Matosinhos, que estava no Pedro Hispano.
"Já não bastava a covid e agora isto? A gente já nem sabe o que há de fazer", diz Maria Ramos. Vive na Rua de Trás, em Fajozes, paredes-meias com a casa onde morava Carlos Silva. Viu-o "ir-se assim". Está preocupada. "É da água, do ar, de quê?", pergunta. Respostas não tem.
sem respostas
Hermínia também queria ter respostas. O pai conduzia - "só dentro da freguesia que, com a covid-19, mal saía de casa" -, ia às compras, fazia uma vida normal. No dia 29 uma febre levou-o ao hospital. Teste à covid feito, veio para casa com diagnóstico de gripe. Dias depois piorou. Sem forças nas pernas, diarreia, febre. No dia 3, foi de ambulância para o hospital. Morreu quatro dias depois.
"No hospital só me disseram que era uma pneumonia. Foi a médica de família que foi ver a ficha e me disse que era legionela", conta. Dias depois, a Delegação de Saúde ligou. Queriam saber se tinha água da companhia, saneamento, ar condicionado ou piscina. Hermínia quis saber de onde veio a doença. Nada. Por precaução, tirou a mãe de casa. "A Câmara e a Delegação de Saúde fecham-se em copas. A gente nem sabe se está segura ou não", frisa. Desde sexta-feira que tenta ligar para a Saúde Pública. "Só na sexta-feira tentei 22 vezes. Ninguém atende!".
aumento de casos
Joaquim Vieira mora a dois passos, na Rua da Gândara. Também ele anda assustado. O problema, diz Jorge Carvalho, outro vizinho, é a falta de informação. E nada se saber sobre a fonte de contágio.
Em três ruas (Trás, Sarinhães e Gândara), são já três casos (e um morto). No lugar de Castelões, a cerca de um quilómetro, mais dois infetados. Um deles é o pai de Rosa. Manuel Silva, de 90 anos, está internado há uma semana.
"Porquê tantos casos aqui na freguesia? De onde veio isto?". Rosa quer saber, até porque em casa vive também a mãe com 85 anos.
José Laranjeira mora a 100 metros de Rosa. Está assustado com o aumento de casos na freguesia: "Será que vai ser como a dos Adubos de Portugal [em Vila Franca de Xira, em 2014]?"
Origem do surto continua por identificar
Ainda não foi determinada a origem do surto, mas o JN sabe que a hipótese considerada mais provável continua a ser uma torre de refrigeração entre o sul do concelho de Vila do Conde e o norte de Matosinhos. A Administração Regional de Saúde (ARS)/Norte não esclarece se já foi ordenado o encerramento das torres das principais fábricas, uma medida que, como explicou ao JN o infeciologista Jaime Nina, foi tomada, em 2014, em Vila Franca de Xira, enquanto se aguardava pelas análises que haveriam de identificar o foco da bactéria.
"A Saúde Pública está a fazer o seu trabalho", afirmou ao JN fonte da ARS/Norte, recusando, no entanto, explicar que medidas foram já tomadas no sentido de localizar a fonte e evitar novas contaminações. Sabe-se apenas que há já empresas na zona que foram visitadas, mas, quase duas semanas depois do início do surto, escasseia a informação das autoridades de saúde.
Água testada
Os infetados são quase todos idosos, a maioria entre os 80 e os 90 anos. O único elo comum é que, ou vivem na zona onde surgiram mais casos, ou, nos dias que antecederam os primeiros sinais, viajaram pela A28 em direção ao Porto. Segundo o infeciologista, a contaminação nunca se dará "a mais de dois ou três quilómetros do foco", mas é possível que, quem passar de carro, se levar os vidros abertos ou não tiver filtro de ar, inale os aerossóis e seja infetado. Contudo, a Direção-Geral da Saúde esclareceu ontem que não recomendou para que se fechassem os vidros ao passar na A28.
A água de Vila do Conde e Matosinhos já terão sido testadas, não tendo sido detetada a legionela.