<p>A maior parte das certidões enviadas para o Supremo Tribunal de Justiça não identifica os intervenientes nas escutas telefónicas. Noronha do Nascimento ainda só emitiu despacho sobre duas certidões e Pinto Monteiro já pediu mais informação. </p>
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Dados complementares foram pedidos ao DIAP de Aveiro nos últimos dias, e são aguardados pelo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha do Nascimento. Só depois de recebidos e analisados, esclareceu ontem a PGR, "serão divulgados os despachos proferidos, em datas diferentes, pelo procurador-geral da República e pelo senhor presidente do STJ, bem como os que ainda venham a ser proferidos".
Monteiro foi mais longe, em declarações a uma estação de televisão, e adiantou mesmo que ainda espera pela informação sobre a quem pertencem os números de telefone escutados e a quem pertencem as vozes ouvidas.
Noronha de Nascimento, por seu turno, já terá ouvido todas as escutas, mas em algumas delas terá tido dúvidas sobre a identidade dos intervenientes, por serem apenas mencionados "alvos" codificados, como é prática da PJ. Mas a identificação cabal das pessoas escutadas é determinante, para definir quem tem de actuar como juiz de instrução, neste caso o presidente do STJ, dado o facto de nas conversas interceptadas supostamente intervir o primeiro-ministro, José Sócrates.
Segundo apurou o JN, há escutas com Sócrates das quais foi feita uma súmula escrita e outras que ainda se encontram em suporte áudio. Mas também há algumas, ao telemóvel de Armando Vara, que não ofereceram dúvidas sobre a intervenção de Sócrates. É sobre o destino dessas que o presidente do Supremo já terá decidido.
Segundo adiantou ontem o "Expresso" on-line, Noronha ter-se-á decidido pela nulidade dessas escutas, por não terem sido previamente autorizadas pelo STJ (ver Saber Mais). Mas a declaração de nulidade pelo presidente do STJ não obriga o PGR a arquivar o caso. Se houver outros indícios criminais que não os das escutas, Pinto Monteiro pode sempre ordenar abertura de um inquérito.
Por outro lado, o artigo 11.º do Código de Processo Penal (CPP) não esclarece se a decisão do presidente do Supremo sobre as escutas é recorrível, mas o mesmo código determina que "é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei". Se, no caso em apreço, houver recurso, ele terá de ser interposto pelo MP de Aveiro e decidido numa secção do STJ.
Como encara a decisão de anular as escutas a José Sócrates? Que comentário faz à forma como se tem desenvolvido o processo "Face Oculta"?
Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados
"Não conheço o teor das escutas nem o fundamento da decisão do SJT, mas seguramente se a certidão foi anulada é porque era ilegal. É com muita preocupação que vejo esta cobertura. Em Portugal, a investigação criminal é excessivamente mediatizada, é feita mais para os órgãos de informação que para realizar os objectivos da Justiça. Há casos a apodrecer há anos, sem sequer haver acusação e fazem-se as piores acusações e piores condenações publicamente ainda na fase inicial da investigação. Deveria investigar-se, acusar-se e julgar-se e passa-se o contrário: julga-se primeiro, investiga-se depois e no final é o que se vê: nenhum culpado preso nem nenhum inocente ilibado, é uma caldeirada, o que é muito mau. O MP e a polícia vão pagar caro.
Rui Patrício, Penalista
"Comentário não posso fazer porque não é conhecida a decisão. Pode-se anular escutas com base em muitos fundamentos, e do ponto de vista do regime legal é tão normal um despacho que declare a nulidade de escutas que envolvam titulares de órgãos de soberania como declarar nulas escutas que envolvam outros cidadãos. Tenho acompanhado o caso e tenho visto com muito desgosto que, estando em segredo de justiça, as informações estejam continuamente cá fora. Antes de alterar o regime [do segredo de justiça] seria preciso que todos os operadores judiciários fossem rigorosos no cumprimento das regras e, em caso de violação, que se fizesse as averiguações necessárias.
Assunção Esteves, Jurista
"Não posso comentar porque não conheço a decisão do STJ. E não contribui para a cultura democrática nem para uma ética republicana que se faça especulação sobre decisões que não são formalmente comunicadas. Tenho acompanhado o caso de uma forma regular e como sempre há demasiado espectáculo. A Justiça tem tido demasiado espectáculo ao longo destes anos no nosso país. Por culpa de vários agentes de Justiça, muitas vezes por não guardarem o segredo de Justiça na devida medida. Há sempre demasiado espectáculo nestes casos, preferia que não houvesse, mas enfim...as características dos cargos de muitas pessoas investigadas nestes processos implicam um certo apetite dos media e uma publicidade exagerada em relação aos mesmos.
António Martins, Presidente
ASJP
"Não interpreto essa decisão de maneira nenhuma. Primeiro porque não conheço essa decisão do Supremo Tribunal de Justiça e, segundo, mesmo que conhecesse não poderia pronunciar-me sobre a mesma, uma vez que o dever de reserva (enquanto presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) me impede de o fazer. Tenho acompanhado o caso, como, com certeza, todas as pessoas que se interessam por estes casos. Sobre o processo concreto e as pessoas do processo, não falo. Mas o que há muito tempo afirmo é que a corrupção é um problema gravíssimo no país que tem de ser encarado de um modo muito sério. Fazendo o quê? De um modo muito sério, e não desejo acrescentar mais nada.
João Palma, Presidente do
SMMP
"Não comento essa decisão. Não me compete a mim nem ao Sindicato comentar (a anulação da certidão das escutas telefónicas em que o primeiro-ministro, José Sócrates é um dos intervenientes). É uma decisão judicial, neste caso tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, (STJ) que é susceptível de recurso, como todas as outras. Quem terá de a comentar será a Procuradoria-Geral da República e não o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Quanto à cobertura mediática considero-a uma cobertura normal, atendendo à matéria que está a ser investigada. Em relação ao desenvolvimento deste caso, acompanhamo-lo com muita preocupação. E ponto final. São duas reacções simples que traduzem o que pensamos.