Fundador do "Football Leaks" começa a ser julgado na rentrée da Justiça e atrai imprensa internacional. Comarca de Lisboa não quis arriscar mudança para sala maior fora do tribunal.
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Não vai ser só o julgamento mais marcante da rentrée da Justiça, após as férias de verão. Meio a sério, meio a brincar, a presidente da Comarca de Lisboa, Amélia Almeida, diz que será "o julgamento do século". Começa sexta-feira, 4 de setembro, e vai expor o poder judicial a uma atenção internacional sem precedentes, ainda por cima num dilema jurídico de solução complicada: Rui Pinto é, acima de tudo, um pirata informático que merece a imputação de 90 crimes feita pela juíza de instrução Cláudia Pina, ou é antes alguém que deve ser tratado como um denunciante de crimes muito mais graves que os seus e, assim, merece um perdão significativo da Justiça?
A questão é sensível em qualquer Estado de direito democrático e é a mesma que se pode discutir em casos tão célebres como os de Julian Assange, fundador do "WikiLeaks", ou até de Edward Snowden, ex-funcionário dos serviços de informação dos EUA que está arrolado como testemunha de Rui Pinto. A esta similitude junta-se o impacto internacional dos documentos e informações revelados por Rui Pinto, no âmbito do "Football Leaks" ou do "Luanda Leaks", e compreende-se melhor o excesso de linguagem de Amélia Almeida quando, em 2020, fala do "julgamento do século".
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O julgamento vai rodear-se de fortes medidas de segurança que não foram reveladas e de uma atenção da imprensa internacional como nunca se viu na nossa Justiça. "Não há nenhum processo tão mediático como este", avalia Amélia Almeida, que teve de improvisar, com a juíza que vai dirigir o julgamento, Margarida Alves, uma solução para responder ao interesse do público e de jornalistas portugueses e estrangeiros em assistir ao julgamento.
Perante a dificuldade de a lotação das salas de audiência ter sido reduzida por causa da covid-19, a solução poderia passar, como está a acontecer noutros processos, por uma sala maior fora dos tribunais. Mas a magistrada explica que o recurso a imóveis alternativos pode pôr problemas de segurança para os intervenientes que, neste caso, foram "decisivos" para optar por outra solução: o julgamento vai manter-se no Campus da Justiça, de onde será transmitido por videoconferência para outro espaço da capital (ainda não revelado).
A hipótese de ser transmitido numa plataforma acessível a qualquer pessoa com ligação à Internet não foi ponderada, porque a juíza do julgamento decidiu proibir a captação de som e imagens tanto na sala de audiências como na da videoconferência.
Bolsa de juízes anticovid
A rentrée da Justiça (o ano judicial agora começa em janeiro, mas o setor continua a encarar setembro como o seu início) também tem em agenda outros processos importantes, mas o mais marcante para a máquina judicial parecem ser as limitações impostas pela covid-19: as passadas, que suspenderam os prazos processuais e adiaram mais de 66 mil diligências que agora é preciso recuperar; e as presentes, que exigem menos gente e mais distanciamento físico nos tribunais e no Ministério Público.
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Para recuperar o tempo perdido, o Ministério da Justiça diz que é preciso "intensificar, na medida do possível e do razoável, o ritmo habitual de trabalho". "A generalidade dos tribunais revela capacidade para acomodar e recuperar com os recursos humanos disponíveis os atrasos e acréscimos de pendências verificados", transmite uma assessora da ministra Francisca Van Dunem, acrescentando que o Conselho Superior da Magistratura também disporá de uma "bolsas de juízes" para "casos pontuais".