A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) defende que a educação sexual e a saúde mental devem constar, de forma explícita, no currículo escolar, a partir da Escola Primária. A Associação Portuguesa de Fertilidade frisa que o tema "não é uma arma política", pedindo ao Ministério da Educação que siga "a evidência científica".
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Numa recomendação entregue ao Governo nesta terça-feira, no âmbito da consulta pública sobre a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), os profissionais de saúde mental criticam o facto de a referência à sexualidade, no novo guião da disciplina ser "restrita, limitada e tecnicamente imprecisa", considerando essencial que os conteúdos estejam acessíveis a "todas as crianças e jovens (sem assimetrias de acesso aos conteúdos e desigualdades entre escolas e entre alunos), desde os primeiros anos de escolaridade".
A posição surge após o ministro da Educação ter assegurado, na semana passada, que a educação sexual não ia desaparecer dos currículos, apesar de os conteúdos terem sido retirados das aprendizagens essenciais. "É uma matéria que é desenvolvida em várias disciplinas, de uma forma interdisciplinar, há projetos específicos nas escolas", afirmou Fernando Alexandre. Porém, os psicólogos querem que a educação sexual seja transversal a todos os níveis de ensino, com "conteúdos explícitos" e aprendizagens progressivas desde o 1.º Ciclo, adaptadas às diferentes idades.
A OPP lamenta que termos como "intimidade e privacidade" e "consentimento" surjam "brevemente mencionados" no novo guião da disciplina, "de forma genérica e descontextualizada, sem referência direta à educação sexual como componente estruturante da saúde e da cidadania". "A própria ausência do termo 'sexualidade', por si, retira visibilidade e intencionalidade pedagógica à educação sexual", aponta o organismo.
A Ordem sustenta, em comunicado, que a ENEC deve ser "uma ferramenta de promoção da igualdade, da saúde e dos direitos humanos" e não uma "oportunidade perdida" para responder aos desafios das crianças e jovens. Desta forma, sugere também ao Governo que integre conteúdos de promoção de literacia em saúde mental, assegure que a "diversidade sexual e de género é tratada como expressão legítima da experiência humana" e reconheça o papel dos psicólogos enquanto "parceiros estratégicos" na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Os profissionais de saúde recordam ainda que a evidência científica "é clara ao demonstrar que programas eficazes de educação sexual exigem abordagens explícitas, estruturadas, continuadas e baseadas em abordagens explícitas", não só em assuntos relacionais, como também em aspetos referentes a métodos contracetivos, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis ou violência sexual.
"Lacunas profundas"
Também em comunicado, a Associação Portuguesa de Fertilidade expressou, nesta terça-feira, preocupação com a "diminuição do peso e da importância" da matéria na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, alertando que a ausência de conteúdos robustos acerca de educação sexual no currículo "pode deixar lacunas profundas e abrir portas a riscos inevitáveis". Para Cláudia Vieira, presidente da associação, a literacia é uma "ferramenta preventiva poderosa" que reduz as "complicações individuais e os custos sociais e de saúde pública".
"O Governo não pode usar a disciplina e os alunos como arma política e o Ministério da Educação deve seguir a evidência científica em vigor", ressalta a dirigente, rejeitando que a educação sexual seja uma "opção de nomenclatura, mas sim uma necessidade educativa". A Associação Portuguesa de Fertilidade acredita que os conteúdos relacionados com a sexualidade, cujo "desaparecimento" do currículo continua a gerar grande contestação, são essenciais "numa disciplina que visa formar cidadãos conscientes, críticos e capazes de proteger a sua saúde".
Dos partidos de Esquerda a diversas figuras da sociedade civil, nomeadamente profissionais de saúde e professores, são várias as vozes que criticam a relegação dos temas sobre sexualidade para segundo plano.